Poema de Entrada

No computador sobre a mesa onde põem a janta
Nas verduras que queimaram por assobiares uma canção
No livro de poemas cheirando ao teu tio do interior
Nas conversas com tantos números e planos sem furo
No Pelourinho, para subires o Carmo e veres a baía do Santo Antônio
(aproveites a coxinha frita, na descida à direita da igreja)
Na cintura onde se diz samba, na mão onde se pede outra
Nos amigos que são perfeitos por esquecerem o erro e o acerto,
por não seguirem teus conselhos, por terem medo de sustos
por não serem você, em teus, tão teus, pressupostos
Na obsessão da tela de um celular, que só faz esperar
Na coleira do teu cão, na vida de tua irmã, na distância de teu pai
Nos micos das árvores que só são superiores com a altura,
não por saberem como fugir caso precisem (não precisas)
À beira do farol de Monte Serrat, na calça que revela outra estação
Nos estádios, nos jornais, nas peças, nos vãos de uma tarde com ela

Entra, Saulo,
aqui também
habitam os deuses

Uma canção

http://www.youtube.com/watch?v=POgMvToR4-s

escutando com a longitude de um mês, começo a desconfiar da ambiguidade de alguns verbetes dessa canção de Fernando Brant e Beto Guedes. Segue um palpite de mini-dicionário, sem querer atingir intenção alguma de autor:

amar: estar, escolher uma dimensão, arriscar uma unidade na pluralidade.

livre: não ser constrangido pelo infinito.

justo: aquilo justamente, sem arestas, sem pontos de fuga; aquilo em que se está com os dois pés, sem um dentro e outro na porta.

precisão: o mesmo que para Guimarães Rosa. Precisar muito, precisar a ponto de querer precisamente o que se é e com o que se é.

dever: uma dívida de si para si, a lacuna, o vazio de parâmetro para uma escolha.

poder: a outra possibilidade pela simples possibilidade, o poderia-ter-sido.

Era o salto no azul da piscina

na subida do mergulho,
o rosto contra a água
os dedos, as unhas, o punho
o que é isto, deus? Vidro?

Não.
Mas só ao te tornares luz,
Voltarás a passar.