tag:blogger.com,1999:blog-20866006597562029412024-02-06T18:30:26.758-08:00se você disser tudo o que quiserUm espaço de literaturaSaulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.comBlogger42125tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-90219158289780997292015-07-17T10:15:00.004-07:002015-07-17T10:15:41.978-07:00O Conceito de Angústia - Kierkegaard"O Conceito de Angústia, portanto, examina principalmente a angústia do nada,<br />
da indeterminação, da liberdade, que toma e assalta o indivíduo no momento da decisão<br />
(do salto qualitativo), quando ele está por escolher entre uma multiplicidade inumerável<br />
de possibilidades e, assim, por fixar-se, por dar-se uma imagem e uma identidade<br />
precisa e concreta, decidindo que coisa fazer de si mesmo (já que ele não é ainda aquilo<br />
que será tão logo tenha feito a escolha), com o risco de realizar-se, mas também de ir ao<br />
encontro de um fracasso, de obter sucesso, mas também de falhar – ou seja, quando ele<br />
está em vias de abandonar a condição edênico-infantil de inocência e ignorância (na<br />
qual o seu espírito ainda está sonhando, e é ainda virtualmente tudo), para lacerar a<br />
originária e não-problemática unidade psicofísica entre corpo e alma, para estabelecer a<br />
síntese entre os elementos contraditórios que o constituem e, assim, para escolher a si<br />
mesmo, tornando-se espírito, indivíduo, Eu".<br />
<br />
Søren Kierkegaard: uma fenomenologia da angústia, por Roberto GaraventaSaulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-14646371201528988242014-10-27T20:57:00.001-07:002014-10-27T20:57:03.562-07:00O escrever, não o escritor<br />
Hoje, ao avaliar o que seria eu me tornar um escritor, pergunto pelo início, de quando tenha começado a escrever. Lembro-me de alguns diários ainda aos sete e oito anos, mas todos estavam na única função de depositar impressões e não se queria leitor algum. A questão é pelo momento em que desejei alguém para ler o que eu fazia e no que consiste este desejo.<br />
<br />
Era uma vez a quarta série. Gostava de algumas meninas, e de uma de cabelos compridos e negros mais do que outras. Ela me sorria tanto quanto o fazia para os outros garotos: descobria em si o fascínio e o esbanjava. Não me queria em especial, assim como nenhuma das meninas, tal como deviam pensar todos os colegas uns sobre os outros (hoje eu bem suspeito). Em uma aula, um colega meu levantou a mão e falou muito bem, chegou a citar um livrinho. Notei que a garota tão querida o admirou por isto. Depois deste dia, eu decidi ler.<br />
<br />
Este é o ponto de partida de minha história na leitura. E quando eu mesmo passei a produzir histórias? Logo depois, na quinta série, acho. Circulava entre os colegas imitações dos autores que passei a gostar, em papel de caderno e capa de folha especial. Eles gostavam das cenas picantes e de violência. Passei a expandi-las em outros volumes. Até fiz conto de terror para publicar na internet e, como consegui, soube que poderia continuar... Contudo, não consegui nenhuma das meninas.<br />
<br />
Passei a ler por conta delas, mas a escrever também? Escrever talvez tenha sido o passo para dizer que não precisava delas. Os meninos afinal eram afirmados no mundo, enaltecidos pelos outros e coroados de auto-estima, pelos feitos de conseguirem meninas. Não era o meu caso, mas não porque não me importava, mas porque não acontecia. Seria preciso me justificar entre as coisas de outra forma. Não trapaceio: lembro bem que os meus sonhos ao escrever era me tornar muito famoso. Não foram poucas as vezes que me deliciei com a ideia de que uma garota se arrependeria de não me ter dado atenção.<br />
<br />
Quanto disto dura? Quanto a vontade de ser escritor, rodeada por clamares próprios de Es muss sein, que tudo quer deixar ou rebaixar, carrega as defesas da frustração primeira? Um menino aqui ainda se ressente com o mundo, ao querer seu nome em capas? Pode ser um modo de manter a estima, que nunca se sustenta, pois é sempre a resposta vinda de uma dimensão por não conseguir entrar em outra, na primeira que lhe foi negada... Sim, é preciso debochar da primeira. Não há nada ali, senão a sensação de ser querido, que se pode encontrar onde se quiser mesmo ir.<br />
<br />
O gosto pode existir independente do princípio: posso continuar a escrever com este alívio e esta satisfação, mesmo que não seja para me ressentir mais. Sobra o ato, o que cai era a finalidade. Hoje, não entendo em nada o prazer de ser mais do que estas palavras, me resta o escrever e não mais o escritor. <br />
<div>
<br /></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-30356182440954313092014-02-08T08:11:00.004-08:002014-02-08T08:11:56.126-08:00Grande Sertão + Disparada<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial; font-size: x-small;">"Um dia, sem dizer o que a quem, montei a cavalo e saí, a vão, escapado. Arte que eu caçava outra gente, diferente, E marchei duas léguas. O mundo estava vazio. Boi e boi. Boi e boi e campo. Eu tocava seguindo por trilhos de vacas. Atravessei um ribeirão verde, com os umbuzeiros e ingazeiros debruçados - e ali era vau de gado. "Quanto mais ando, querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago..." - foi o que pensei, na ocasião. De pensar assim me desvalendo. Eu tinha culpa de tudo, na minha vida, e não sabia como não ter. Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo; que, quando notei que estava com dor-de-cabeça, e achei que por certo a tristeza vinha era daquilo, isso até me serviu de bom consolo. E eu nem sabia mais o montante que queria, nem aonde eu extenso ia. O tanto assim, que até um corguinho que defrontei - um riachim à toa de branquinho - olhou pra mim e me disse: - Não... - e eu tive que obedecer a ele. Era para eu não ir mais para diante. O riachinho me tomava a benção. Apeei. O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come. Então, deitei, baixei o chapéu de tapa-cara. Eu vinha tão afogado. Dormi, deitado num pelego. Quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor. O que sinto, e esforço em dizer ao senhor, repondo minhas lembranças, não consigo; por tanto é que refiro tudo nestas fantasias. Mas eu estava dormindo era para reconfirmar minha sorte. Hoje, sei. E sei que em cada virada de campo, e debaixo de sombra de cada árvore, está dia e noite um diabo, que não dá movimento, tomando conta. Um que é o romãozinho, é um diabo menino, que corre adiante da gente, alumiando com lanterninha, em o meio certo do sono. Dormi, nos ventos. Quando acordei, não cri: tudo que é bonito é absurdo - Deus estável" (grande sertão: veredas). </span><br />
<br />
<div style="color: #222222; font-family: arial; font-size: small;">
<br /></div>
<div style="color: #222222; font-family: arial; font-size: small;">
https://www.youtube.com/watch?v=jpGm5aDZIAk</div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-14615740000523857202013-10-15T08:11:00.002-07:002013-10-15T08:11:53.874-07:00Trecho de O Mito de Sísifo - o comediante e o homem absurdo<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"O que importa" diz
Nietzsche "não é vida eterna,
é a eterna vivacidade". Todo o drama está
realmente nessa escolha. [A atriz] Adriana
Lecouvreur, em seu
leito de morte,
consentiu em se confessar
e comungar, mas
se recusou a
abjurar sua profissão. Perdeu, por
isso, o benefício
confessional. O que
era isso pois, </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">realmente, senão
tomar contra Deus o
partido de sua
profunda paixão? E essa
mulher em agonia,
recusando entre lágrimas renegar o que chamava sua arte provava
uma grandeza que jamais atingira diante da ribalta. Foi seu mais belo papel, e
o mais difícil de desempenhar.
Escolher entre o
céu e uma
irrisória fidelidade, se </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">preferir</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">à</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">eternidade</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">ou</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">
</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">a</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">se</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">submergir</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">
</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">em</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Deus</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">é</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">
</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">a</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">tragédia secular em que é
preciso tomar parte.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os comediantes da época se sabiam
excomungados. Ingressar na profissão
era escolher o
Inferno. E a Igreja distinguia
neles seus piores inimigos.
Alguns literatos se indignam: "Imagine, recusar
a Molière os últimos
socorros!" Mas isso era
justo para aquele
que morreu em cena e encerrou sob a pintura do rosto uma vida inteira devotada à
dispersão. Invoca-se a seu respeito
o gênio que dispensa tudo. Mas o gênio não dispensa
nada, exatamente porque se recusa a isso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
ator sabia, então,
que punição lhe
estava reservada. Mas
que sentido podiam ter tão vagas ameaças diante do último castigo que a vida
lhe preparava?
Era esse que
ele antecipadamente experimentava, e
aceitava por inteiro. Para
o ator, como
para o homem absurdo,
uma morte prematura
é irreparável. Nada
pode compensar a soma dos rostos e dos séculos que ele, sem isso, teria percorrido. Mas,
seja como for,
se trata de
morrer. Porque o ator
está sem dúvida em toda parte, mas o tempo também o acorrenta e exerce sobre
ele seu efeito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Basta então um pouco de imaginação para
sentir o que significa um destino
de ator. É
no tempo que ele
compõe e enumera
seus personagens. É também
no tempo que
aprende a dominá-los. Quanto mais
vidas diferentes ele
viveu, melhor se
separa delas. Chega o tempo em
que é preciso morrer no palco e no mundo. O que ele viveu está diante dele. Vê
com clareza. Sente o que essa aventura
tem de dilacerante
e de insubstituível. Ele
sabe e pode, agora, morrer. Há casas de repouso para
velhos comediantes<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Albert Camus,</span></i><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">
em O Mito de Sísifo<o:p></o:p></span></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-47895819348277159152013-06-17T14:58:00.003-07:002013-06-17T16:17:27.041-07:00Abertura do campo do possível: política e movimento<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><i>Publico este texto para me contrapor à ideia de que a ausência de objetivos em um movimento político seja necessariamente ruim. O caso é se entendemos política apenas como práticas e relações institucionalizadas, e não tomamos também como um comprometimento coletivo em ampliar as suas próprias possibilidades. Assim, um movimento de eclosão, como foi o tão historicamente admirado Maio de 68, em outras proporções, pode ser uma abertura para algo novo. </i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> * * *</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> No
dia 6 de Maio de 1968, em Paris, dez mil estudantes entram em choque com a
polícia, para evitar o fechamento temporário da Universidade de Sourbonne. A
medida repressiva vinha diretamente do governo francês, que tentava bloquear as
ações de protesto dentro do campus. Os universitários bradavam a favor de
mudanças radicais e, quatro dias depois, duplicaram o seu número para novo
embate. A Noite das Barricadas foi inserida na história com bombas de fumaça,
incêndios, correrias e pedras em arremesso contra capacetes. Era o estopim do
que culminaria ainda em uma greve geral por todo o país, com aderência de
operários e jovens trabalhadores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Os episódios do “Maio de 68”, assim
contados, poderiam somar-se, com algumas novidades, aos inúmeros acontecimentos
de insurreição e protesto, seja na Europa ou em qualquer continente. O seu
cenário possui os elementos necessários e reinseridos: enfrentamento, protesto,
resistência, gritos e suspensão da rotina de todo um território. Faltou apenas
um, aquele que justamente ampliou a estranheza do movimento francês e provocou por fim
um ineditismo que até hoje é engradecido como um marco: a ausência de um ponto
definitivo contra o que se rebelava. “Para mim, militante revolucionário, era
algo incompreensível: era de fato uma brincadeira, uma vontade de fazer
qualquer coisa (...)”, declarou o anarquista Maurice Jouyex, em uma das entrevistas organizadas por Heyk Pimenta e Sergio Cohn no livro <i>Maio de 68</i>, na Série Encontros.
Edgar Morin (2008, p. 30), em um artigo de comemoração aos dez anos do evento,
inquire: “Maio de 68 tem uma outra dimensão, uma dimensão infra ou supra
política e que escapa às categorias das análises clássicas”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Não
havia nenhuma frente de participação partidária, ou mesmo um programa definido
com propostas para alterações de leis ou estatutos. O desejo era por uma vida
mais legítima, melhor vivida e desimpedida de tabus ou opressões. Nos muros,
pichavam-se frases como “A imaginação no poder” ou “É proibido proibir”, nas
ruas se filmavam pequenos documentários com perguntas diretas aos cidadãos,
tais quais “você é feliz?” ou “o que é o amor?”. Eram reverberações das frentes
que inflavam a juventude de todo o mundo, tais como o ideal de pacificação dos <i>hippies</i>, a expansão de consciência através
de interferências psicotrópicas e de ritos em religiões alternativas, a luta
prática por utopias sociais, o rock’n’roll, o cinema, a poesia libertária dos <i>beatniks </i>junto ao seu toque de ordem “on
the road".<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> O que todos eles traziam, em maneiras distintas,
que se simbolizou no acontecimento da juventude parisiense, era uma vontade de
reinaugurar o mundo dos moldes arregimentados e compor novas relações de
convívio. O principal questionamento que se lhes deparava tem as mesmas
palavras do jornal <i>Spiegel, </i>em um
entrevista com Rudi Dutschke, um dos principais líderes do movimento estudantil
na Alemanha de 1968: “<i>Por que o senhor
não entra em um partido para efetuar transformações</i>?”. Daniel Cohn-Bendit,
marco do Maio em Paris, responde à mesma questão em outra entrevista:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt 106.3pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 10.0pt;">Todo mundo se
tranquilizaria (...) se fundássemos um partido anunciando: “Toda essa gente
está conosco. Aqui estão os nossos objetivos e o modo como pensamos
alcançá-lo...”. Saberiam a forma em que se ater e portanto a forma de anular-nos.
Já não se estaria diante da “anarquia”, da “desordem”, da “efervescência
incontrolável”. A força do nosso movimento reside precisamente no fato de ele
se apoiar numa espontaneidade “incontrolável”, que dá o impulso sem pretender
canalizar ou tirar proveito da ação que desencadeou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Em
outras palavras, os críticos, os opositores ou mesmo os colaboradores em debate
estariam perguntando à juventude das pichações, das aventuras, dos protestos
humorados, do “paz e amor”, dos solos de guitarra: “<i>Isto o que vocês fazem é mesmo política</i>?”. Caso não, permanecem os
acontecimentos apenas pelo exótico, pelo frenesi e pelas artes. Caso sim, e é o
que a História parece grafar, fica-se obrigado a reconhecê-los também como políticos,
mesmo longes dos mandatos, das instituições e dos modelos de governo. Nesse
ponto, então, sob autoria dos estudantes, a prática política se alarga das
propostas e das aplicações estatuárias também para as relações culturais, para
a efervescência das mentalidades e para a transformação pelo ímpeto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Sartre, que participou do Maio de 68, nomeou este fazer político
como “expansão do campo do possível”. Trata-se de um tipo de ação que não prevê
as suas decorrências, por não conter antecipadamente um objetivo para elas. A
sua motivação é um descontentamento com um <i>modus
vivendi</i>,<i> </i>com a radicalidade dos
problemas e não apenas com problemas pontuais. A denúncia carregada não define
necessariamente o teor daquilo contra o que se reage, pois este mesmo pode
apresentar-se difuso e incompleto. A imaginação como enfrentamento traz um meio
de expandir as possibilidades, seja das causas do mal-estar generalizado, seja
de suas soluções imediatas. Expandir os fenômenos, retirar do nada mais <i>seres </i>para o real, é também uma atitude
de transformação para a comunidade. Assemelha-se em termos com a definição que
Hannah Arendt (2008) traz em sua carta para o estudante alemão Hans-Jürgen
Benedict, às vésperas dos acontecimentos de 68: “A política (...) é a arte do
possível”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Embora
a frase no contexto seja para trazer mais limites à grandeza de “revolução
mundial” que Benedict colocava, tratar a política como a inserção nas
possibilidades não necessariamente a conserva ou a destina à modéstia das
práticas institucionais. Arendt parece apontar sobre a precisão de se pôr a política em
um lugar, em um “limite”, a fim de que se saiba por onde insufla-la ou, nas
palavras de Sartre, expandi-la. Aumentar o campo de visão do espaço público
sobre as condições de se melhorar o que é comum se torna um gesto de criação dentro do limite.
Assim, a ação de pensar no possível da política novas formas de exercê-la, ou
seja, impingir “a imaginação no poder”, torna-se também um gesto decisivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Tal compreensão relacionada aos movimentos
estudantis e culturais da década de 60, assim como as suas próprias decorrências,
parece indicar outro sentido de política. Ela não seria um regime ou uma esfera, e sim uma <i>relação</i> com o outro em nível de igualdade, uma <i>participação</i> no que é comum em interferência que favoreça não
apenas as mudanças materiais, mas as culturais e históricas. Trata-se de um
compromisso em seu sentido ético para com os pares e de uma atividade essencial
para a esfera pública.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Em
seu livro póstumo <i>O que é política?</i>,
Arendt realimenta o sentido que encontrou entre os gregos: a política seria a
atitude de cada qual em relação aos outros, em doação e recepção, manifestando
no intercâmbio o compromisso com o bem comum. “Não
existe, pois”, diz ela, “uma substância verdadeiramente política. A Política
nasce no espaço intermediário e se constitui como relação”. Não se trata, portanto, de um espaço superior à comunidade, e sim um
“espaço que está entre os homens”. É nesse espaço intermediário que tomam lugar
não apenas as noções de autoridade, de poder e de governo, como também as de
expressão e as de cultura. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> A
política não se restringe apenas a um instrumento ou a assuntos partidários,
como também à ética, ao pertencimento ativo entre os homens enquanto membros de
um mesmo corpo. Não se trata apenas de indagar “em quem você vai votar nas
eleições?” ou exclamar “eu não acredito mais em política, afinal político
nenhum presta”. A dimensão se aprofunda a tal ponto que indagar “qual a sua
opinião sobre o esquecimento das raízes tradicionais entre os mais jovens
hoje?” ou exclamar, como um dos manifestantes do maio de 68, “Sejam realistas,
exijam o impossível!” se faz igualmente participante de um movimento político.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> O
que causa admiração em Hannah Arendt quanto à agitação estudantil na década de
60 é a efervescência e a preocupação com o futuro em sentido amplo, seja pela
ecologia, pela educação ou por questões comportamentais. Sobre as manifestações
da juventude em vários pontos do mundo, a pensadora comenta, em seu ensaio <i>Sobre a violência, </i>de 1969: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt 4cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Parece
descartado um denominador comum e social para o movimento, mas o fato é que
esta geração parece em todas partes caracterizada por sua pura coragem, por uma
surpreendente vontade de ação e por uma não menos surpreendente confiança na
possibilidade das mudanças. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt 4cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Uma
vez que as preocupações não passam apenas pelas questões técnicas da política,
os conteúdos em questão parecem permitir com mais força uma “surpreendente
confiança na possibilidade das mudanças”. Arendt que não crê em uma revolução
fabricada, ou seja, feita “intencional e arbitrariamente”, e sim
a partir da inteireza de circunstâncias e da alimentação transformadora de condições
(conforme ela descreve o ponto positivo da Revolução Americana em <i>Sobre a revolução</i>),
vê na vontade mais ampla das investidas estudantis, que se somam ao mesmo tempo
às ações localizadas de transformações no meio, uma vocação política de grande
potencial para mudanças. “Nada no movimento”, entretanto, “é mais surpreendente
que seu desinteresse", indica a pensadora, em consonância com o
estudante Daniel Cohn-Bendit, para revelar o aspecto de novidade que há na
“pura coragem” e na “surpreendente vontade” da juventude. Um desinteresse de
objetivo pré-determinado, no interesse de mudar e expandir o que já está posto
e trazer cada vez mais o novo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">(Saulo Dourado)</span></div>
<div>
<div id="ftn4">
</div>
</div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-75983265358264911042013-03-17T09:52:00.002-07:002013-03-17T09:52:42.107-07:00Freyre sobre o sertanejo<br />
<div class="MsoNormal">
Tanto o excesso de mimo de mulher na criação dos meninos e
até dos mulatinhos, como o extremo oposto – a liberdade para os meninos brancos
cedo vadiarem com os moleques safados na bagaceira, deflorarem negrinhas,
emprenharem escravas, abusarem de animais – constituíram vícios de educação,
talvez inseparáveis do regime de economia escravocrata, dentro do qual se
formou o Brasil. Vícios de educação que explicam melhor do que o clima, e
incomparavelmente melhor que os duvidosos efeitos da miscigenação sobre o
sistema do mestiço, a precoce iniciação do menino brasileiro na vida erótica.
Não negamos de toda a ação do clima: também na zona sertaneja do Brasil – zona livre
da influência direta da escravidão, da negra, da mulata – o menino é um
antecipado sexual. Cedo se entrega ao abuso dos animais. A melancia e o
mandacaru fazem parte da etnografia do vício sexual sertanejo. A virgindade que
ele conserva é a de mulher. E nisto tem consistido sua superioridade tremenda
sobre o menino de engenho.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Certas tendências do caráter do sertanejo puxando para o
ascetismo; alguma coisa de desconfiado nos seus modos e atitude; o ar de
seminarista que guarda a vida inteira; sua extraordinária resistência física;
seu corpo anguloso de Dom Quixote, em contraste com as formas mais arredondas e
macias dos brejeiros e dos indivíduos do litoral; sua quase pureza de sangue –
são traços que se ligam da maneira mais íntima ao fato do sertanejo em geral, e
particularmente nas zonas mais isoladas das capitais e das feiras de gado, só
conhecer mulher tarde; e quase sempre pelo casamento. Gustavo Barroso, em
estudo sobre as populações sertanejas no Nordeste, diz serem comuns, no sertão,
rapazes de mais de vinte anos ainda virgens. O que, no brejo e no litoral,
seria motivo para debiques e troças ferozes. Sente-se aí o resultado da
influência direta da escravidão sobre estas duas zonas; e apenas indireta e
remota sobre o sertão.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(Gilberto Freyre, <i>Casa-Grande
& Senzala,</i> Global Editora, 51ª
edição, p. 459-460)</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
[ver Gustavo Barroso, <i>Terra
de Sol</i>, Rio de Janeiro, 1913]</div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-60052024546882379752013-03-02T06:23:00.000-08:002013-03-02T06:23:10.227-08:00Carta de D'Arthez a Ève, irmã de LucienMinha senhora,<br />
<br />
Pede-me a verdade sobre a vida que leva em Paris o senhor seu irmão, e deseja ser esclarecida quanto ao seu futuro, e, para induzir-me a responder-lhe francamente, repete-me o que disse o Sr. de Rastignac, perguntando-me se tais fatos são verdadeiros.<br />
<br />
No que me concerne, senhora, cumpre retificar, em favor de Lucien, as confidências do Sr. de Rastignac. Seu irmão teve remorsos, e veio mostrar-me a crítica de meu livro, dizendo que não podia resolver-se a publicá-la, apesar do perigo que a desobediência às ordens de seu partido fazia correr a uma pessoa muito cara. Infelizmente, senhora, a tarefa de um escritor é conceber paixões, pois sua glória consiste em expressá-las: compreendi pois que entre uma amante e um amigo, o amigo devia ser sacrificado. Facilitei o crime a seu irmão, eu próprio revisei esse artigo [contra mim], e aprovei-o completamente.<br />
<br />
Pergunta-me se Lucien conservou minha estima e minha amizade. Aqui, a resposta é difícil. Seu irmão está num caminho em que se perderá. Agora, ainda o lamento; em breve o terei voluntariamente esquecido, não tanto pelo que ele já fez como pelo que deve ainda fazer. O seu Lucien é um homem de poesia e não um poeta, sonha e não pensa, agita-se e não cria. É, permita-me que o diga, uma mulherinha que gosta de aparecer, o principal vício do francês. Assim, Lucien sacrificará sempre o melhor de seus amigos ao prazer de alardear espírito. De bom grado assinaria amanhã um pacto com o Demônio, se esse pacto lhe desse por alguns anos uma vida brilhante e luxuosa. Já não fez pior, trocando o seu futuro pelas passageiras delícias de sua vida pública com uma atriz? Neste momento, a mocidade, a beleza, a dedicação dessa mulher, pois ela o adora, lhe ocultam os perigos de uma situação que nem a glória, nem o sucesso, nem a fortuna fazem que a sociedade a admita. Pois bem, a cada nova tentação, o seu irmão só há de ver, como hoje, apenas os prazeres do momento. Tranquilize-se, Lucien jamais irá até o crime, não teria forças para tal; mas aceitaria um crime já consumado, participaria dos seus proveitos sem ter participado dos perigos: o que parece horrível a todo mundo, até aos celerados. Sentirá desprezo por si mesmo, arrepender-se-á; mas, voltando a necessidade, começará tudo de novo; pois falta-lhe vontade, não tem forças contra os engodos da volúpia, contra a satisfação de suas mínimas ambições. Preguiçoso como todos os homens de poesia, julga-se muito hábil quando escamoteia as dificuldades em vez de as vencer. Terá coragem em determinada hora, mas em tal outra será covarde. E não se lhe deve louvar a coragem nem tampouco censurar a covardia: Lucien é uma harpa cujas cordas se retesam ou relaxam ao sabor das variações atmosféricas. Poderá fazer um belo livro numa fase de cólera ou de felicidade, e mostrar-se insensível ao sucesso depois de o ter desejado.<br />
<br />
Desde os primeiros dias de sua chegada a Paris caiu sob o domínio de um moço sem moralidade, mas cuja astúcia e experiência em meio às dificuldades da vida literária o deixaram deslumbrado. Esse prestidigitador seduziu completamente Lucien, arrastou-o a uma existência sem dignidade sobre a qual, infelizmente para ele, o amor lançou o seu fascínio. Quando concedida muito facilmente, a admiração é um sinal de fraqueza: não se deve pagar na mesma moeda um funâmbulo e um poeta. Sentimo-nos todos melindrados com a preferência dada à intriga e ao charlatanismo literário, em detrimento da coragem e da honra dos que aconselhavam a Lucien que aceitasse o combate em vez de surripiar o sucesso, que se lançasse na arena em vez de se fazer um dos clarins da banda.<br />
<br />
A sociedade, minha senhora, é, por singular capricho, plena de indulgência para com os jovens dessa natureza; ama-os, deixa-se enlevar pela bela aparência de seus dotes exteriores; deles, nada exige, desculpa todas as suas faltas, concede-lhes os benefícios das naturezas completas, só enxergando as suas vantagens; transforma-os, em suma, em meninos mimados. Pelo contrário, é de uma severidade sem limites para com as naturezas fortes e completas. Nesse modo de proceder, a sociedade, tão violentamente injusta na aparência, é talvez sublime. Diverte-se com os bufões, sem lhes pedir outra coisa senão prazer, e esquece-os prontamente; ao passo que, para dobra o joelho ante a grandeza, pede-lhe divinas magnificiências. Para cada coisa, a sua lei: o diamante eterno deve ser sem mácula, a criação momentânea da moda tem o direito de ser leviana, esquisita e sem consistência. Assim, apesar de seus erros, talvez Lucien triunfe às mil maravilhas, basta-lhe aproveitar uma veia feliz, ou achar-se em boa companhia; mas, se encontra um anjo mau, irá até o fundo do inferno. É um brilhante conjunto de belas qualidades bordadas sobre um fundo demasiado frágil; a idade carrega as flores, e lá um dia não resta mais que o tecido; e, se o tecido é mau, só se vê um trapo. Enquanto for jovem, Lucien agradará; mas, aos trinta anos, em que posição estará ele? Tal a pergunta que se devem fazer aqueles que o estimam sinceramente. Se eu fosse o único a pensar desse modo a respeito de Lucien, teria talvez evitado desgostá-la tanto com a minha sinceridade; mas, além de que contornar com banalidades as perguntas formuladas por sua solicitude me parecia indigno da senhora, cuja carta é um brado de angústia, e indigno de mim, de quem faz tão alta estima, os meus amigos que conheceram Lucien são unânimes neste juízo: vi pois o cumprimento de um dever na manifestação da verdade, por mais terrível que seja.<br />
<br />
Tudo se pode esperar de Lucien, tanto no bem como no mal. Tal o nosso pensamento, numa única frase em que esta carta se resume.<br />
<br />
Se os acasos da sua vida, agora tão miserável e precária, levarem o poeta para junto da senhora, use de toda a sua influência para conservá-lo no seio da família; pois, até que seu caráter tenha adquirido firmeza, Paris será sempre perigoso para ele. Lucien os chamava, à senhora e a seu marido, de seus anjos da guarda, e sem dúvida os esqueceu; mas se lembrará dos dois no momento em que, acossado pela tempestade, só terá para asilo a sua família; conserve-lhe pois o seu afeto, minha senhora, de que ele há de ter necessidade.<br />
<br />
Aceite, senhora, as sinceras homenagens de um homem de quem são conhecidas as suas preciosas qualidades e que muito respeita as suas maternais inquietações para aqui oferecer-lhe os seus préstimos, confessando-se seu dedicado servidor,<br />
<br />
D'Arthez<br />
<br />
(Ilusões Perdidas, Balzac, pp. 520-523, Ed. Círculo do Livro)Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-34983475505599576242013-02-08T07:11:00.002-08:002013-02-08T07:31:15.583-08:00Ilusões Perdidas, de Balzac - Lucien e D'Arthez<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.myartprints.com/kunst/french_school/lucien_de_rubempre_illustratio.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"></a><a href="http://cache2.artprintimages.com/LRG/53/5389/4ELJG00Z.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"> <img border="0" height="200" src="http://www.myartprints.com/kunst/french_school/lucien_de_rubempre_illustratio.jpg" width="147" /> </a></div>
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-
O senhor parece estar triste? – respondeu o desconhecido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-
Acaba de me acontecer uma singular aventura – disse Lucien. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
contou a visita aos livreiros do cais, depois a outra ao velho editor, e as propostas
que acabava de receber. Disse o seu nome e algumas palavras sobre sua situação.
No espaço de um mês, mais ou menos, havia gasto sessenta francos em refeições,
trinta francos de hospedagem, vinte no teatro, dez no gabinete literário, ao
todo cento e vinte francos; não lhe restavam mais que cento e vinte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-
Senhor – disse-lhe o desconhecido -, sua história é a minha e a mesma de mil e
mil e duzentos jovens que todos os anos chegam da província a Paris. Não somos
ainda dos mais desgraçados. Vê este teatro? – disse, mostrando a cúpula do
Odéon – Um dia veio alojar-se numa das casas que ficam ali na praça um homem de
talento que se havia despenhado nos abismos da miséria. Casado (acréscimo de
desgraça que não nos aflige ainda nem a um nem ao outro) com uma mulher que ele
amava, e mais empobrecido ainda, ou enriquecido – como quiser -, por dois
filhos; crivado de dívidas, mas confiante em sua pena. Apresentou no Odéon uma
comédia em cinco atos. Foi aceita. Obteve prioridade. Os artistas a ensaiaram,
o diretor ativou os ensaios. Mas essas cinco felicidades constituíram cinco
dramas ainda mais difíceis de realizar do que escrever os cinco atos. O pobre
autor, albergado numa água-furtada que daqui se pode ver, esgota os últimos
recursos para viver durante a montagem da peça (...) O poeta conservara
[afinal] apenas o necessário: uma casaca, uma camisa, umas calças, um colete e
um par de botas. Seguro do sucesso, vem beijar a mulher e lhe anuncia o fim de
seus infortúnios. “Enfim, não há mais nada contra nós!”, exclama ele. “Há o
fogo”, diz a mulher; “olha, o Odéon arde”. E o Odéon ardia, senhor. Não se
lamente, pois. Tem roupas, não tem mulher nem filhos, tem por sorte cento e
vinte francos no bolso, e nada deve a pessoa alguma. A peça de que lhe falei
obteve afinal cento e cinquenta representações no Théâtre Louvois. O rei
concedeu, depois, uma pensão ao autor. Buffon o disse: <i>o gênio é a paciência. A paciência é, com efeito, o que no homem mais
se assemelha ao processo que a natureza emprega em suas criações. O que é a
arte, senhor, senão a natureza concentrada?</i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
dois rapazes caminhavam agora pelo Luxembourg. Lucien soube logo o nome, que
depois se tornou célebre, do desconhecido que se esforçava por consolá-lo. Era
Daniel d’Arthez, hoje um dos mais ilustres escritores da época e uma dessas
raras criaturas que, segundo o belo pensamento de um poeta, </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%; text-indent: 35.4pt;">oferecem “a
amálgama de um belo talento e de um belo caráter”. </span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%; text-indent: 35.4pt;">- Não se pode ser um grande homem
gratuitamente – afirmou Daniel com a sua voz branda – O gênio orvalha suas
obras com lágrimas. O talento é uma entidade moral que tem, como todos os
seres, uma infância sujeita a várias doenças. A sociedade repele os talentos
incompletos, como a natureza elimina as criaturas fracas ou malconformadas.
Quem se quer elevar acima dos homens deve preparar-se para a luta, não recuar
diante de dificuldade alguma. </span><i style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%; text-indent: 35.4pt;">Um grande
escritor é um mártir que não morrerá</i><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%; text-indent: 35.4pt;">. Eis tudo. O senhor tem na fronte o
selo do gênio – disse D’Arthez a Lucien, envolvendo-o num olhar; - se não tem
dele a vontade no coração, se dele não possui a paciência angélica, se a
qualquer distância da meta em que ponham os caprichos do destino não souber
retomar o caminho de seu infinito, como as tartarugas que, seja qual for o
lugar em que estiverem, tomam sempre o rumo do seu amado oceano, então renuncie
hoje mesmo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> - Aguarda então, também, muitos
sofrimentos? – perguntou Lucien.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> - Provações de toda espécie;
calúnias, traições, injustiças de meus rivais; desaforos, espertezas e
grosserias do comércio – respondeu o moço com voz resignada – Se a sua obra é
bela, que importa uma primeira perda...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> - Quer ler e julgá-la? – perguntou Lucien.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> - Seja – disse D’Arthez – Moro na
Rue des Quatre-Vents...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> (...)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> A leitura durou sete horas. Daniel
ouviu religiosamente, sem dizer palavra nem fazer uma só observação, uma das
mais raras provas de bom gosto que possa dar um escritor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> - E então? – disse Lucien, colocando
o manuscrito sobre a chaminé.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<a href="http://cache2.artprintimages.com/LRG/53/5389/4ELJG00Z.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center; text-indent: 35.4pt;"><img border="0" height="200" src="http://cache2.artprintimages.com/LRG/53/5389/4ELJG00Z.jpg" width="150" /></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> </span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> - O senhor vai por um bom e belo
caminho – respondeu gravemente o moço -, mas sua obra precisa ser remodelada.
Se não quer macaquear a Walter Scott, é-lhe necessário criar uma técnica
diferente, e o senhor o imitou. Começo, como ele, por longas conversações para
apresentar as personagens; terminada a conversa, é que vem a descrição e a
ação. Esse antagonismo necessário a toda obra dramática vem por último. Inverta
os termos do problema. Substitua essas conversas difusas, magníficas em Scott,
porém sem cor no seu livro, por descrições às quais tanto se presta a nossa
língua. Faça com que, em seu livro, o diálogo seja a consequência esperada a
coroar os preparativos. Entre preliminarmente na ação. Tome o assunto ora pelo
meio, ora pelo fim. Varie, enfim, os seus planos, para não ser sempre o mesmo.
Será mesmo original adaptando à história de França a forma do drama dialogado
do escocês. Walter Scott não tem paixão, ignora-a, ou talvez lhe fosse ela
interdita pelos costumes hipócritas de seu país. Para ele, a mulher é a
encarnação do dever. Com raras exceções, suas heroínas são absolutamente
iguais; usou para todas elas o mesmo toque, segundo a expressão dos pintores.
Procedem todas do mesmo [tipo ingênuo, pouco ativo, vítima do primeiro
sedutor]; relacionando todas com uma ideia, não podia senão tirar cópias do
mesmo tipo, variando-as apenas pelo colorido mais ou menos vivo. A mulher leva
a desordem à sociedade pela paixão. A paixão tem acidentes infinitos. Pinte
pois as paixões, e terá os imensos recursos de que se privou aquele grande
talento para ser lido por todas as famílias da puritana Inglaterra. Em França,
encontrará os pecados encantadores e os costumes brilhantes do catolicismo para
opor às sombrias figuras do calvinismo durante o período mais apaixonado de
nossa história. Cada grande reinado, a partir de Carlos Magno, necessita pelo
menos de uma obra, e por vezes quatro ou cinco, como os de Luís XIV, Henrique
IV, Francisco I. Fará assim uma história da França pitoresca, na qual pintará
os costumes, os móveis, as casas, os interiores, a vida privada,
comunicando-lhe o espírito do tempo em vez de narrar penosamente fatos
conhecidos. Encontrará meio de ser original reparando os erros populares que
desfiguram a maior parte de nossos reis. Ouse, em sua primeira obra,
restabelecer a grande e magnífica figura de Catarina, que o senhor sacrificou
aos preconceitos que subsistem ainda contra ela. Pinte, enfim, Carlos IX como
em verdade foi, e não como o fizeram os escritores protestantes. Ao cabo de dez
anos de persistência há de alcançar glória e fortuna.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Eram
já nove horas. Lucien, imitando a ação oculta de seu futuro amigo, ofereceu-lhe
um jantar no Édon, onde despendeu doze francos. Durante o jantar, Daniel
revelou a Lucien o segredo de suas esperanças e de seus estudos. D’Arthez não
admitia talento superior sem profundo conhecimento da metafísica. Entregava-se
nessa ocasião ao assalto de todos os tesouros filosóficos dos tempos antigos e
modernos, para os assimilar. Queria, como Molière, ser um filósofo profundo
antes de escrever comédias. Estudava o mundo escrito e o mundo vivo, o
pensamento e os fatos. Tinha como amigos sábios naturalistas, jovens médicos,
escritores políticos e artistas, círculo de pessoas estudiosas, sérias, cheias
de futuro. Vivia de artigos conscienciosos e mal pagos, feitos para dicionários
biográficos, enciclopédicos ou de ciências naturais. Não escrevia nem mais nem
menos do que o necessário para viver e poder dedicar-se ao seu sonho. D’Arthez
entregara-se a uma obra de ficção unicamente para estudar os recursos da
língua. O livro, inacabado ainda, tomado e deixado por capricho, era guardado
para os dias de grande abatimento. Era uma obra psicológica e de largo fôlego,
sob a forma de romance.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Embora Daniel mal se houvesse
revelado modestamente, pareceu gigantesco a Lucien. Ao sair do restaurante, às
onze horas, Lucien já se havia tomado de viva amizade por aquela virtude sem
ênfase, por aquela natureza sublime sem o saber.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(BALZAC, Ilusões Perdidas. Ed. Círculo do Livro. Trad. Ernesto Pelanda. pp. 214-219)</span></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-3805118619104700102013-01-31T05:48:00.000-08:002013-01-31T05:48:02.498-08:00A irreversibilidade e o poder de perdoar<br />
<i>O trecho a seguir é extraído do livro "A condição humana", de Hannah Arendt, publicado em meados da década de 50. Possivelmente é sua resposta à questão colocada à época, na qual se demonstrava o espanto de a humanidade continuar, após todos os desastres coletivos que se presenciou. Arendt, que fugiu para os Estados Unidos em decorrência direta de um dos desastres, compôs ela mesma esse lembrete, que ainda hoje nos serve para os mais diversos assuntos</i>.<br />
<i><br /></i>
<i> *</i><br />
<i><br /></i>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://chicomiranda.files.wordpress.com/2011/11/cm_mulheres_25.jpg?w=595" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="247" src="http://chicomiranda.files.wordpress.com/2011/11/cm_mulheres_25.jpg?w=595" width="320" /></a></div>
<br />
<i><br /></i>
<br />
<div class="MsoNormal">
O remédio contra a irreversibilidade e a imprevisibilidade
do processo que ela desencadeia não provém de outra faculdade possivelmente
superior, mas é uma das potencialidades da própria ação. A redenção possível
para a vicissitude da irreversibilidade – da incapacidade de se desfazer o que
se fez, embora não se soubesse nem se pudesse saber o que se fazia – é a
faculdade de perdoar. O remédio para a imprevisibilidade, para a caótica
incerteza do futuro, está contido na faculdade de prometer e cumprir promessas.
As duas faculdades formam um par, pois a primeira delas, a de perdoar, serve
para desfazer os atos do passado, cujos “pecados” pendem como espada de
Dâmocles sobre cada nova geração; e a segunda, o obrigar-se através de
promessas, serve para instaurar no futuro, que é por definição um oceano de
incertezas, ilhas de segurança sem as quais nem mesmo a continuidade, sem falar
na durabilidade de qualquer espécie, seria possível nas relações entre os
homens.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se não fôssemos perdoados, liberados das consequências
daquilo que fizemos, nossa capacidade de agir ficaria, por assim dizer,
limitada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre
as vítimas de suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que
não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço. Sem estarmos obrigados
ao cumprimento de promessas, jamais seríamos capazes de conservar nossa
identidade; seríamos condenados a errar, desamparados e sem rumo, nas trevas do
coração de cada homem, enredados em suas contradições e seus equívocos – trevas
que só podem ser dissipadas pela luz derramada no domínio público pela presença
de outras, que confirmam a identidade entre aquele que promete e aquele que
cumpre. Ambas as faculdades, portanto, dependem da pluralidade, da presença e
da ação de outros, pois ninguém pode perdoar a si mesmo e ninguém pode se
sentir obrigado por uma promessa feita apenas para si mesmo; o perdão e a
promessa realizados na solitude e no isolamento permanecem sem realidade e não
podem significar mais do que um papel que a pessoa encena para si mesma.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Uma vez que essas faculdades correspondem tão de perto à
condição humana da pluralidade, o papel que desempenham na política estabelece
um conjunto de princípios orientadores diametralmente opostos aos padrões “morais”
inerentes à noção platônica de governo. Pois o governo platônico, cuja
legitimidade baseava-se no domínio de si-mesmo, extrai seus princípios
orientadores – aqueles que justificam e ao mesmo tempo limitam o poder sobre os
outros – de uma relação estabelecida entre mim e mim mesmo, de sorte que o
certo e o errado nas relações com os outros são determinados pelas atitudes com
relação ao si-mesmo, até que todo o domínio público passa a ser visto à imagem
do “homem escrito em maiúsculo”, da ordem adequada entre as capacidades
individuais da mente, da alma e do corpo do homem. Por outro lado, o código
moral inferido das faculdades de perdoar e de prometer baseia-se em
experiências que ninguém jamais pode ter consigo mesmo e que, ao contrário, se
baseiam inteiramente na presença de outros. E, do mesmo modo como a dimensão e
as formas de governo-de-si justificam e determinam o governo dos outros –
governam-se os outros como se governa a si mesmo -, também a dimensão e as
formas do perdão e das promessas que o indivíduo recebe determinam a dimensão e
as formas do perdão que ele pode ser capaz de conceber a si próprio ou do
cumprimento de promessas que só a ele dizem respeito.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(...)</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O motivo da insistência sobre um dever de perdoar [para
Jesus de Nazaré, o descobridor do papel do perdão no domínio dos assuntos
humanos, por exemplo], é, obviamente, que os homens “não sabem o que fazem”, e
não se aplica ao caso extremo do crime e do mal voluntário, pois do contrário
não teria sido necessário ensinar que, “se ele te ofender sete vezes no dia, e
sete vezes no dia retornar a ti, dizendo ‘me arrependo’, tu o perdoarás”. O
crime e o mal voluntário são raros, mais raros talvez que as boas ações (...).
A ofensa, contudo, é uma decorrência cotidiana, decorrência natural do fato de
que a ação estabelece constantemente novas relações em uma teia de relações, e
precisa do perdão, da liberação, para possibilitar que a vida possa continuar,
desobrigando constantemente os homens daquilo que fizeram sem o saber. Somente
mediante essa mútua e constante desobrigação do que fazem os homens podem ser
agentes livres; somente com a constante disposição para mudar de ideia e
recomeçar pode-se confiar a eles um poder tão grande quanto o de começar algo
novo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sob esse aspecto, o perdão é o exato oposto da vingança, que
atua como re-ação a uma ofensa inicial, com a qual, longe de porem fim às
consequências da primeira falta, todos permanecem enredados no processo,
permitindo que a reação em cadeia contida em cada ação siga livremente seu
curso. Ao contrário da vingança, que é a reação natural e automática à
transgressão e que, devido à irreversibilidade do processo da ação, pode ser
esperada e até calculada, o ato de perdoar jamais pode ser previsto; é a única
reação que atua de modo inesperado e, embora seja reação, conserva algo do
caráter original da ação. Em outras palavras, o perdão é a única reação que não
re-age apenas, mas age de novo e inesperadamente, sem ser condicionado pelo ato
que a provocou e de cujas consequências liberta, por conseguinte, tanto o que
perdoa quanto o que é perdoado (...).</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(ARENDT, Hannah. <i>A
condição humana</i>. Trad. Adriano Correia. Ed. Gen, Forense Universitária, 11ª
edição, pp. 295-300). </div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-86408707088007027302013-01-02T15:50:00.002-08:002013-01-02T15:50:47.218-08:00Trecho de Márcia Schuback<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">O mundo melhor significa, para a vida, um mundo sem nenhuma
falta, um mundo plenamente satisfeito. Significa o mundo que, ao construir e
encontrar seu modo de viver e preencher seus vazios, preserva a falta e o vazio
necessários para que o mundo prossiga o seu curso. Se o “melhor” para a vida é
encontrar modos que preservem a sua força e vitalidade e sendo a “falta” o que
alimenta essa força, o horizonte de futuro é apreendido, em princípio, como
lugar de uma falta, como lugar vazio. Por definição, o futuro implicado num
mundo melhor, ou seja, num mundo que preserva e potencia a sua vitalidade, não
se refere a um tempo que vem depois, a uma ideia de progresso e nem à espera
que adia a vida em favor de uma forma calculada de vida, mas à possibilidade de
se preservar o vazio mobilizador das criações. Isso significa que o futuro
assim entendido está de tal forma ligado ao passado que se pode até mesmo
defini-lo como um futuro do pretérito. Trata-se do mundo que se enuncia como o
que poderia ser dentro desse mundo em que nos encontramos, dentro das condições
que sempre já trazemos enquanto seres históricos. O mundo melhor seria,
portanto, o mundo que preserva viva a condição de uma construção histórica e
não simplesmente o mundo que preserva as formas já concebidas historicamente.
Trata-se do mundo que “imita” a vida e não os produtos ou resultados de um
embate prévio com a vida. Trata-se do mundo que expõe o que poderia ser e não
simplesmente arquiva o que foi. O tempo futuro de um mundo melhor define-se
como o tempo que acolhe o passado no sentido de sua própria possibilidade,
tornando-o vivo e presente. É mais do que um tempo. É um modo de preservar e
aprimorar a vida.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">(SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante. <i>Para ler os medievais - ensaio de hermenêutica imaginativa</i>. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000. pp. 29-30)</span></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-51743125875573924572012-11-18T06:05:00.001-08:002012-11-18T06:05:06.329-08:00Trecho de O Sonâmbulo Amador<br />
Segue trecho do novo romance de José Luiz Passos, O Sonâmbulo Amador, em que Jurandir, o narrador-personagem, faz a leitura dramática de uma peça sobre o místico sertanejo Lantânio, a ser montada na clínica onde se encontra. Na cena, um capitão vai capturar por fim o religioso, e os dois travam este diálogo:<br />
<br />
<br />
Mande os seus saírem dos buracos, ele disse.<br />
Não posso tirar ninguém de seu canto.<br />
Já levantei o braço e daqui a pouco duzentos soldados vão estar aqui em cima de você, ele disse.<br />
Então seremos duzentos e dois.<br />
Onde estão os seus?<br />
Estão do seu lado.<br />
Como assim?<br />
Os meus estão do seu lado, eu disse.<br />
Você agora está sozinho.<br />
Eu estou com você, eu disse.<br />
Você está preso e agora vai morrer.<br />
Você também.<br />
Como assim?<br />
Você também vai morrer.<br />
Eu vou morrer de quê? Quem vai me matar?<br />
Isso importa?<br />
Vou morrer mas não vou morrer agora, ele disse.<br />
Você se importa com a hora certa?<br />
Me importo que você agora esteja preso, ele disse.<br />
Então pode baixar o braço.<br />
Agora você vai ver o que vai lhe acontecer.<br />
Agora somos duzentos e dois, eu disse.<br />
E todos estão do meu lado.<br />
São duzentos e dois os lados, eu disse.<br />
<br />
*<br />
<br />Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-4301678125327820272012-11-10T08:16:00.002-08:002012-11-10T08:16:33.792-08:00Trecho de "O Filho Eterno"Tenho me orgulhado muito de uma nova literatura brasileira, feita com ocupação narrativa e densidade prenhe de humanidade. Estes escritores, todos coincidentemente ou não na faixa etária dos 50 anos, acadêmicos e pacientes em um exercício que vêm há décadas, desbaratam as nossas faltas em todas as camadas, do público ao privado que um homem é, e nos tranquilizam gravemente. Um deles é Cristóvão Tezza, muito enaltecido, e com justiça, pelo seu romance "O Filho Eterno", do qual destaca o trecho abaixo:<br />
<br />
"E no entanto sente-se um otimista - ele sorri, vendo-se do alto, como no cartum imaginado, agora uma figura real. Sozinho no corredor, dá outro gole de uísque e começa a ser tomado pela euforia do pai nascente. As coisas se encaixam. Um cromo publicitário, e ele ri do paradoxo: quase como se o simples fato de ter um filho significasse a definitiva imolação ao sistema, mas isso não é necessariamente mau, desde que estejamos 'inteiros', sejamos 'autênticos', 'verdadeiros' - ainda gostava dessas palavras altissonantes para uso próprio, a mitologia dos poderes da pureza natural contra os dragões do artifício. Ele já começa a desconfiar dessas totalidades retóricas, mas falta-lhe a coragem de romper com elas - de fato, nunca se livrou completamente desse imaginário, que, no fundo da alma, significava manter o pé atrás, atento, em todos os momentos da vida, para não ser devorado pelo violento e inesgotável poder do lugar-comum e da impessoalidade. Era preciso que a 'verdade' saísse da retórica e se transformasse em inquietação permanente, uma breve utopia, um brilho nos olhos.<br />
<br />
Como agora: e ele deu outro gole da bebida, quase entrando no terreno da euforia. Ele queria criar a solenidade daquele momento, uma solenidade para uso próprio, íntimo, intransferível. Como o diretor de uma peça de teatro indicando o ator os pontos da cena: sinta-se assim; mova-se até ali; sorria. Veja como você tira o cigarro da carteira, sentado sozinho neste banco azul, enquanto aguarda a vinda do seu filho. Cruze as pernas. Pense: você não quis acompanhar o parto. Agora começa a ficar moda os pais acompanharem o parto dos filhos - uma participação quase religiosa. Tudo parece que está virando religião. Mas você não quis, ele se vê dizendo. É que o meu mundo é mental, talvez ele dissesse, se fosse mais velho. Um filho é a ideia de um filho; uma mulher é a ideia de uma mulher. Às vezes as coisas coincidem com a ideia que fazemos delas; às vezes não. Quase sempre não, mas aí o tempo já passou, e então nos ocupamos de coisas novas, que se encaixam em outra família de ideias. Ele não quis nem mesmo saber se será um filho ou uma filha: a mancha pesada da ecografia, aquele fantasma primitivo que se projetava numa telinha escura, movendo-se na escuridão e no calor, não se traduziu em sexo, apenas em ser. Preferimos não saber, foi o que disseram ao médico. Tudo está bem, parece, é o que importa".<br />
<br />
Cristóvão Tezza, O Filho Eterno, Edições Best Bolso, pp. 12-13Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-37869589520594734682012-11-03T09:14:00.000-07:002012-11-03T09:59:46.192-07:00O sertão é um exagero<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-LR7ElXYBRmk/TwThgSHbWsI/AAAAAAAAApA/3Ytm5iyahVA/s1600/04012012288%255B1%255D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="223" src="http://1.bp.blogspot.com/-LR7ElXYBRmk/TwThgSHbWsI/AAAAAAAAApA/3Ytm5iyahVA/s400/04012012288%255B1%255D.jpg" width="400" /></a></div>
<i><span style="font-size: x-small;">Irecê antes da chuva - por Irecê News</span></i><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 13.0pt; line-height: 150%;"> Pude
viajar pelo interior da Bahia durante a seca de agora. Seguiam comigo pessoas
próximas, vindas de outras partes do país, que nunca haviam presenciado o
sertão. Eu ali nasci, entre as sacas de mamona e feijão no município de Irecê,
e mesmo que tenha partido desde criança para a capital, eu nunca fui outra
coisa – não consegui trocar o pirão de leite com carne do sol pelo caruru,
tentei e não aconteceu de eu gostar de samba em vez de qualquer canção que
lembre a melancolia contente das roças. Para melhor apresentá-la, fomos nós quatro por
uma das estradas que estala o mesmo susto de Euclides da Cunha ao seguir para
Canudos no fim do século XIX. Após os chapadões da zona diamantina e o verde constante, “em
contraste belíssimo, a amplitude dos gerais e o fastígio das montanhas, ao atingir
aquele ponto estaca surpreendido...”.
Sobe-se Morro do Chapéu pela BA 052 e logo se vê a vegetação baixar, se
rastejar, e por fim rarear na planície. "As plantas aqui se escondem do sol".<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 13.0pt; line-height: 150%;"> A
reação é a de paragem – tempo e espaço. A paisagem não tem fim e nem se altera.
Se não fossem as pequenas cidades, a estrada, as placas, poderia achar-se que
não havia entrada nem saída. E não há: em todos os vales e litorais, parece que
inauguramos os caminhos, e o que era nada ganhou nome e mundo. Nos campos
áridos que vão do Maranhão ao norte de Minas Gerais, cada estrada, cada casa,
cada barragem é apenas <i>sobre </i>o
sertão, nunca com ele, nunca dentro dele. Passada uma cidade em
punho com todas as suas estruturas, o sertão se torna ainda maior. O mandacaru
não abstrai qualquer forma de gente, o umbuzeiro é milagre e o gado vira a
traseira de rabo abanando para quem se vê passar. "A natureza ri da cultura", disse Milton Hatoum sobre o transbordamento da floresta amazônica, e o mesmo repetiríamos para a exagerada ausência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 13.0pt; line-height: 150%;"> O
consolo ante o pavor que causa o sertão é a sua suposta fraqueza e
impropriedade. O sertão é uma revelia, um subversivo, mas não entrega nada em troca. A secura que
não cessa e que suga os olhos, sulca os lábios, esbranquiça os cotovelos e
joelhos, é a que derruba o gado, silencia as mudas nas plantações, enlouquece
pelo calor. Não há recompensa em admirá-lo, como respeitamos os estrondos do Norte. Os assombrados preferem assim esquecer que este ar maldito é justamente o lado da
mágica, e que <i>Asa Branca </i>tem
continuação com outros versos de Humberto Teixeira: “Rios correndo/As cachoeira
tão zoando/Terra moiada/ Mato verde, que riqueza/ E a asa branca/ Tarde canta,
que beleza/Ai, ai, o povo alegre/ Mais alegre a natureza”. Guimarães Rosa
condensa: “O sertão é uma espera enorme”. Nenhum vegetal jamais morreu; apenas aguarda. O que é oculto por meses eclode com
uma única torrente de água, e o verde se toma qual o estouro de uma bala com
estilhaços, a que tanto assustou os soldados da campanha de Canudos. A terra devolve a sentença de infertilidade e tampouco aceita a
reconsideração do contrário: ela não é nem isto nem aquilo, é uma brecha, uma
oportunidade, uma destemida precisão. Toma vulto e vinga a dignidade do seu
nome: <i>ser-tão</i>, <i>ser tanto</i>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 13.0pt; line-height: 150%;"> Com
a mesa farta de maxixe, abóbora, galinha, feijão, arroz e tomate, nenhum deles
comprado, apenas um pouco regados e criados no quintal de minha avó, em meio a
maior seca das últimas décadas, revivi com os olhos dos meus amigos a desmedida
do paradoxo. A desmedida entre a secura e a abundância é uma constante no sertão, não só em sua geologia. Entre os parentes e em mim mesmo percebo a insígnia da prudência
pronta para a apoteose. Da desconfiança pode surgir a recepção espetacular, do
ajuizamento o crime de amor, da tristeza um baião. Cresci escutando sobre um pacato tio-avô que, ao ser acusado
de seduzir a cunhada mais nova, subiu em uma pedra e gritou “agora deem o jeito
de vocês!”, para em seguida beber veneno em uma bacia. Custei a entender
Ivanecy Matias, com pouco mais de um metro e meio, derrubar um garrote no
braço, matar um cachorro pela pata e chorar à noite porque minha mãe não o
havia visitado. É a mesma hipérbole da família Dourado, que por gerações
casou-se somente entre si, numa espécie de dinastia que povoou toda a região, e
ao fundar uma terra na circunvizinhança, não a nomeou como Vila dos Dourados ou simplesmente Dourados, mas como América Dourada, onde fica o povoado de Nova América,
logo depois de Mundo Novo. É do sertão que se transformará a totalidade ou dela
se salvará, nisto cria Antonio Conselheiro e Lampião, os símbolos do dilúvio
nordestino. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 13.0pt; line-height: 150%;">Os urbanos é que são simplistas, os sertanejos falam em reinos e cosmos. Se do barro rachado nascem a beterraba e a cebola, da gente toda transbordarão as eras. Foi o que, grafado no imaginário, confundiu o cantor Belchior quando migrou para o Sul. Sem entender a pequenez que lhe viam, respondeu a
toques de seis cordas e violino clássico: "Nordeste é uma ficção/Nordeste
nunca houve/ Não, eu não sou do lugar dos esquecidos/ Não sou da nação dos
condenados/ Não sou do sertão dos ofendidos/ Você sabe bem: conheço o meu lugar”.<o:p></o:p></span></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-87567720702478872372012-09-26T10:59:00.002-07:002012-09-26T10:59:30.538-07:00Comentário sobre os últimos comentários<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiGiwkjrcB8hu2p_ub0OCIirG_wpOW-mTgDOm-3MiPKxMtN6F_F-HD37YN5SXGAbHE4VN9sm3VBUEYIHo6Ft2a0kJxEqDfb8shUVv5SyUhjI1zbQkLAmVRwau-i0QE68uAVd7eqjkd2aXNk/s400/Penelope.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiGiwkjrcB8hu2p_ub0OCIirG_wpOW-mTgDOm-3MiPKxMtN6F_F-HD37YN5SXGAbHE4VN9sm3VBUEYIHo6Ft2a0kJxEqDfb8shUVv5SyUhjI1zbQkLAmVRwau-i0QE68uAVd7eqjkd2aXNk/s320/Penelope.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
Puxa, como isto bole na gente! A discussão aqui é das melhores e o que vocês me disseram deram um belo nó, cujo processo de fazer e desfazer pode ser o agrado de anos. Penélope nos ensinou desde as bases do pensamento ocidental como deveríamos proceder com as questões mais elementares e qual a paciência de reflexão tomaríamos ao tecer panos inacabáveis, ainda que inúmeros aspirantes - as opiniões - exigissem uma solução imediata. Se podemos crer que um conceito verdadeiro possa vir qual Ulisses em seu regresso, de espada em punho, talvez valha a pena a pergunta por qual tipo de "heroi" e qual tipo de "verdade" desejaríamos: uma definitiva, de reino perpétuo, ou uma que permitisse outros tecelões e outros regressos?<br />
<br />
O problema de muitas religiões, tal como se apresenta e do modo como alguns as vivenciam, é a escolha pelo primeiro Ulisses, pois pelo preceito básico de que a própria crença se vincula a um ponto universal, logo aqueles que estiverem fora dela estão equivocados, uma vez que participam do universo envolvido. O toque para o que vem, seja aos religiosos ou não-religiosos, seja a qualquer vínculo que trapaceie com as diferenças (foi o meu caso com a matéria do jornal), é um tipo de Ulisses que não exclua, tampouco inclua, mas possibilite. O que eu achei ótimo no comentário de Reinofy foi isto: talvez as religiões precisem agora de mais ateísmo, sim, muito ateísmo, para deixar Deus livre para todos.<br />
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-52846124359107599952012-09-23T08:34:00.002-07:002012-09-23T08:35:17.137-07:00"Salvador é a 3ª capital com mais pessoas sem religião"<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRVIkiEh_WiRuGTPAY189MbYyGh7I6564PAs1tjIdk5hoGyBBqR-fcryLrkPAUGwQ1ZrEBFKsli_tjpCQm0TKBE5CWSVLypdrsso1jm0SmgBsK0cvBEMQkE5fKTSBVM4ZGNu-I7TqgNH4/s400/operarios_tarsila_do_amaral.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRVIkiEh_WiRuGTPAY189MbYyGh7I6564PAs1tjIdk5hoGyBBqR-fcryLrkPAUGwQ1ZrEBFKsli_tjpCQm0TKBE5CWSVLypdrsso1jm0SmgBsK0cvBEMQkE5fKTSBVM4ZGNu-I7TqgNH4/s320/operarios_tarsila_do_amaral.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<i>O objetivo da resposta a seguir é desarmar uma espécie de argumentação, sem defender qualquer conteúdo apresentado. O grande problema está na forma e nas consequências.</i><br />
<br />
A matéria de capa do Jornal A Tarde de hoje, assinada por Luana Almeida, traz o último censo do IBGE sobre as escolhas religiosas dos baianos. Os católicos permanecem em primeiro lugar, os evangélicos quase duplicam as suas estatísticas, os espíritas também crescem e os adeptos do candomblé passam enfim a se revelar mais. O que mais chamou a atenção para a reportagem, no entanto, e inclusive é a manchete, foi o aumento do número de pessoas que se declaram "sem religião", que torna Salvador a 3ª capital com mais gente pautada nesta escolha. A fim de interpretar e exemplificar tais dados, houve três recortes: 1) declarações do antropólogo Ordep Serra; 2) declarações do antropólogo Jocélio Teles dos Santos; 3) o caso de uma jornalista que se declara sem religião e é casada com um evangélico.<br />
<br />
No primeiro ponto, com a leitura de Serra, foram aspeadas as seguintes frases: "Vivemos hoje em um país mais livre, mas existem casos de perseguição religiosa. Muitas pessoas ainda escondem, ou por timidez ou por medo de iniciarem uma discussão a respeito" e "Muitos não querem o compromisso de fidelidade a uma crença". No segundo ponto, foi destacado o seguinte depoimento do Prof. Jocélio: "Considero um fenômeno da modernidade. Atualmente, pode-se assistir a uma missa, frequentar um terreiro de candomblé, ir a um ritual de umbanda, conhecer um culto na Igreja Evangélica, sem estar vinculado a nenhuma destas religiões, sem ser obrigado a segui-las pelo resto da vida". Viu-se como prova de tal análise o caso de uma jornalista de origem católica, casada com um evangélico, que não optou por nenhuma religião em especial. "Hoje, afirma que está conhecendo um pouco mais do espiritismo, mas ainda não tem uma definição concreta se irá seguir a doutrina", conforme se escreve na reportagem.<br />
<br />
Nos três casos, as escolhas interpretativas seguem que o soteropolitano ou ainda teme o preconceito histórico de afirmar determinada religião ou é reflexo de uma tendência contemporânea em passear por vários eixos espirituais ou ainda está indeciso. Assim, estar "sem uma religião" é ainda um movimento que pressupõe a adoção religiosa, seja por temor, por infidelidade ou por projeto. Em nenhum momento se imagina que os 17, 6% que se declaram sem opção espiritual podem não querer e não pretender batismo algum, isto é, são céticos, ateus e agnósticos por princípio (as noções não são utilizadas em nenhum momento do texto). Além das premissas serem problemáticas, pois traz o elemento do preconceito quando se mostra ao mesmo tempo que os adeptos do candomblé, por exemplo, triplicaram, e a questão da dispersão contemporânea, quando já somos a capital do sincretismo há mais de 300 anos, apresenta-se na matéria uma conclusão falsa, e pior, oculta, de que o homem tende natural e essencialmente para algum destino universal, no caso, a religião, e de que o "voto nulo", por assim dizer, para a espiritualidade não é de fato uma escolha.<br />
<br />Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-1904915843440765202012-08-19T06:54:00.001-07:002012-08-19T06:56:36.514-07:00B sobre Milton Santos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.nossosaopaulo.com.br/Reg_SP/Educacao/MiltonSantos3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://www.nossosaopaulo.com.br/Reg_SP/Educacao/MiltonSantos3.jpg" width="198" /></a></div>
<br />
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
Meu caro Saulo,</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
Você iria gostar muito de ler Milton Santos, nas suas reflexões sertanistas — aliás todos vocês. Inclusive porque ele inventou mais conceitos que a Colorama e a Risqué inventaram nomes de esmaltes juntos. Embora nunca estivesse preocupado em fixá-los com rigor, mas tão-somente queria propor novos nomes para novos fenômenos, em um dos seus livrinhos (todos são bem pequenos, de fácil leitura), chamado "A Urbanização Brasileira", ele sugere estes conceitos intermediários de que sente falta. </div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
Ele diz que não dá mais para falar de Brasil urbano e Brasil rural, mas de um Brasil agrícola com urbanização ("a agricultura tecendo a dinâmica e nexo da cidade") e de um Brasil urbano com aspectos rurais ("embora o secundário e o terciário predominem").</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
Ele também atenta para o fato de ser difícil conceituar se a gente generaliza. Uma de suas famosas classificações de espaço é a que delimita três tipos de interação homem-natureza: o meio natural, o meio técnico e o meio técnico-científico-<wbr></wbr></div>
informacional. O primeiro é aquele ambiente em que o homem subjuga-se ao tempo e possibilidades da natureza originária de um terreno, como os portugueses explorando pau-brasil. O segundo, o homem já domina algumas técnicas que permitem-lhe domar, em parte, a natureza. E o terceiro, bem, você já imagina.
<br />
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
Acontece que, diz Milton Santos, esta evolução espacial se dá em tempos diferentes no conjunto do país e mesmo em um mesmo lugar. À interpolação das camadas de um meio com outro ele chama de — olha que lindo — rugosidades. Os pescadores do Rio Vermelho seriam uma rugosidade.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
Mas eu tô falando tudo isto porque ele faz uma observação interessante sobre o processo de colonização determinando as nossas dinâmicas regionais. O Nordeste, tendo sido o primeiro lugar colonizado e onde vingou a primeira estratégia econômica, baseada no latifúndio, ficou muito marcado pelo meio técnico a que lhe foi imposto — a produção agrícola em larga escala, notadamente para exportação; e em menor escala, para consumo local.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
O Centro-Oeste, ao contrário, foi colonizado sobretudo a partir dos anos 1960, uma época em que já tínhamos dinâmicas econômicas novas, criadas pela ascensão do meio técnico-científico-<wbr></wbr></div>
informacional. Eu sempre tentei comparar cidades a homens, no sentido de que cidades mais velhas seriam mais experientes. Mas, ao que parece, o ponto da analogia é outro: quanto mais jovens, mais flexíveis e adaptáveis aos novos processos!
<br />
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px;">
<a href="http://abreparentese.com/">Breno Fernandes Pereira</a></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-59969012252420252962012-08-16T14:26:00.001-07:002012-08-16T14:29:51.433-07:00Radioca<br />
<br />
Tenho mais músicas à minha disposição, o que não me faz lembrar de nenhuma na hora de escutá-las. Entre as pastas em vez dos discos, não sei dos meus limites e portanto não posso me definir. É preciso ser finito para escolher, já diziam, e por isso um deus não pode ser livre. No infinito de possibilidades, não há mais pelo quê se morrer, e conseguir uma coisa é a lembrança de ter deixado todas as outras. Mais do que o "ser é", "o não-ser não é". Tudo isso para dizer que tenho gostado muito de um programa na Rádio Educadora, a Radioca, que seleciona o set list para os meus momentos no computador e o faz muito bem. Lá eu fico de acordo com James Martins, que chama a indústria de entretenimento de burra por não aproveitar mais a produção latente da MPB. Não, não fomos nós que paramos, foram os espaços que se fecharam, pois a maioria das canções colocadas por Ronei Jorge e Luciano na programação, tocaria em qualquer rádio e não apenas nesta... Quem não puder estar atento às 19h, do domingo, acompanhe pelo site <a href="http://www.radioca.com.br/">http://www.radioca.com.br/</a> , como eu faço. Todas as gravações estão disponíveis para o toque. Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-50694320437237490132012-08-14T16:38:00.001-07:002012-08-14T16:38:49.220-07:00Botânico<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://cdn1.mundodastribos.com/wp-admin/uploads/2010/06/Jardim-Vertical-Quadro-Vivo-de-Plantas-Para-Paredes-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://cdn1.mundodastribos.com/wp-admin/uploads/2010/06/Jardim-Vertical-Quadro-Vivo-de-Plantas-Para-Paredes-1.jpg" width="259" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quando
for à feira, nunca aceite as sementes de uma mulher que tem flores costuradas
no vestido. Ela vai querer segurar seu punho e colocar cinco sementes no seu
bolso. Recuse-as, jogue-as no chão e as pise, se puder. Mas não cogite levá-las
para casa, mesmo que a mulher insista e você queira livrar-se logo dela, não
vendo mal nenhum em aceitar a sua oferta como quem pega um panfleto na rua. Caso
você aceite as sementes, não as plante em seu quintal. Mesmo que já estejam ali
no seu bolso e a terra tenha ficado melhor depois do inverno, pronta para
florescer o que lhe viesse, e você acredite que lugar de semente é na terra e
não no lixo. Mas não, desfaça-se delas. E se você quase em um movimento
involuntário abriu um buraco na terra com a ponta do sapato, colocou as
sementes e tapou em seguida com a sola, deixe como estar e não regue. De jeito
nenhum. Passe com a água em todos os cantos, menos neste exato pedaço. Mas se
ainda você regar, por um amor irrefletido sobre todas as formas de vida, por
ter visto muito sobre ecologia na TV, anule-se e simplesmente arranque as
primeiras folhas que aparecerem. E se você não arrancar e deixar simplesmente
as sementes brotarem, acompanhar o crescimento da planta que toma cada vez mais
um formato estranho, não apareça mais por seu quintal. Pois já terá nascido a
metade de um duende, só com o tronco, os braços e a cabeça que nunca para de
ri, na altura de uma mão aberta. Ele bate os dentes uns nos outros o tempo todo
para exercitar, move as articulações com um som que assustaria qualquer coração
e arremessa punhados de terra em cima das formigas quando se entedia. O duende
fica apenas à espera da hora em que você virá cuidar dele. E se você for, meu
caro, assobiando uma melodia antiga com a mangueira de borracha na mão, como se
a vida não tivesse outra serventia, apenas cubra o tornozelo. </span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><o:p></o:p></span></span></div>
Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-47973931207508567762012-08-06T18:02:00.002-07:002012-08-06T18:02:44.215-07:00Um jornal na Avenida Sete<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9rmL5DPtC0qrLZ5r4cqAYO92efJg8tmdmSXDod4VQHCK5LapVs6uBBy49TH2_Efup1ixUmKplWd6MDE8v3dbRKWIYTdo5SCU9WKb-fG-oPU45cap_lFg7NLDT3dRxGTAuY0h0CIrhdxTS/s1600/003_universe.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="361" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9rmL5DPtC0qrLZ5r4cqAYO92efJg8tmdmSXDod4VQHCK5LapVs6uBBy49TH2_Efup1ixUmKplWd6MDE8v3dbRKWIYTdo5SCU9WKb-fG-oPU45cap_lFg7NLDT3dRxGTAuY0h0CIrhdxTS/s400/003_universe.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Antes Breno Pereira aparecia apenas com
uma garrafa de leite e um saco de pão ao cruzar toda a calçada da Av. Sete de
Setembro. Feita uma longa viagem à
Europa, adquiridos barba e óculos, a mão vazia passou a sustentar centenas de
papéis. A expressão de segredo era a mesma, o cumprimento igualmente discreto,
mas em vez de uma passagem rápida por todos, agora pausava frente a cada
conhecido ou desconhecido e lhe cedia um exemplar do seu carregamento, o Jornal
Redoma. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Naquela
época, a cidade ainda não tinha se desenvolvido: o comércio não almejava mais
do que os moradores de cada bairro, os pescadores se contentavam com duas redes
de peixe. Mas havia sim muitos acontecimentos. Afinal, o homem é este bicho que
saltou estranhamente do ciclo das coisas para a abertura de um mundo
particular, por onde pode ser imprevisível, por onde pode inventar. Não era
então para estranhezas o fato de existirem dois jornais em circulação naquelas
ruas. O terceiro, porém, trouxe consigo todo o espanto: o jornal que Breno
Pereira escrevia, editava e distribuía não citava qualquer pessoa, local ou
evento conhecido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Morreu um tal de Procópio de Santuário – disse o dono do mercadinho aos
fregueses das seis da tarde – É parente de alguém?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Só se for do tempo da Bíblia, com um nome desse – respondeu um - Isso aí não é
de lugar nenhum não. Nem velório, enterro ou fogueira de osso apareceu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Bem que foi de gente de terra mais pra baixo e o corpo foi sepulto lá – sugeriu
outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Quem tem que ir pro sepulto é esse jornalzinho! – exclamou o mais exaltado – A
redação disso daí fica na Rua da Sem-Vergonhice, cruzando com a Avenida
Bobageira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> No
fim da segunda semana, uma reunião de moradores foi com a luz da lua cheia
bater à porta de Breno. Se as invenções se referissem a pessoas que conheciam,
certamente o toque contra a madeira viria de outra madeira, sendo cabos de faca
ou de cassetete. Não era o caso, tampouco era para calma. Invenções sobre o
inventado podiam não ofender a moral de ninguém, mas ofendiam o brio dos que as
liam. Eles se sentiam em participação de alguma brincadeira não entendida, e
pior, se sentiam os objetos de graça dessa brincadeira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> - Meus senhores – disse Breno pela
fresta -, vamos conter os ânimos. Decerto, deve haver algum engano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
E esse engano vem do seu punho, Seu Nogueira – gritou o marceneiro – É melhor
inclusive que o senhor tenha punho pra mais coisa, se não se explicar bem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Venha aqui narrar todos esses escritos, na nossa frente – esbravejou uma mulher
– Venha de uma vez!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Depois
de um período de silêncio, a voz de Breno novamente saiu da penumbra para o
raio de lua:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Sendo assim, eu prefiro que os conterrâneos entrem em vez de que eu saia. Assim
não eu, mas os próprios acontecimentos lhe narrarão as suas verdades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Diante da ausência de
respostas, que não significava de modo algum aceitação, Breno abriu por
completo a porta. Os moradores, hesitantes, demoraram a obedecer ao chamado do
caminho. Quando enfim se decidiram, não havia mais o som dos passos do
anfitrião como guia, e sim uma luz branca, diferente de qualquer candeeiro.
Antes de o primeiro manifestar que todos seguiam para uma armadilha, a voz de
Breno assumiu quase uma ordem:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Já tirei o cobertor. Cheguem mais perto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Uma
senhora imaginou-se em uma manchete, com tarja preta nos olhos, vítima de um
grande mal. Um jovem se viu nas páginas de destaque, como um herói, ao salvar
os demais da cilada que se envolviam. Um homem mais velho e triste perguntou-se
se teria direito a uma nota de falecimento nos jornais. E a garota apenas se
aproximava da luz branca, como todos os outros, com pensamentos ou não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Sobre
a superfície da mesa, uma redoma de vidro, a maior que se poderia ter
encontrado até mesmo nos escombros de Atlântida; brilhava por fonte própria
como o próprio sol. Em seu interior, grutas e cavernas, florestas e areia,
margeavam ruas de asfalto, por onde cruzavam cães e soavam as buzinas pequenos
carros. Nos ares, aviões, dinossauros de asas e ônibus espaciais serviam de
transporte. E gente, muita gente, não em
plástico, não em madeira, mas em pele e carne, percorria as calçadas. Ao se
olhar de longe para as multidões, era difícil distinguir quando se colidiam por
acidente, se beijavam ou se deixavam tomar pela tolice. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Breno guardou a mesma
mão do leite em um bolso e com a dos jornais estendeu uma lupa repousada na
quina. Inclinou-se para redoma e ficou a um fio do seu vidro de lente contra o
outro vidro, muito mais delicado. Parou pelo tempo de um fôlego e voltou-se
para os moradores, num tom sério:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Pena. Lucas Bueno, 46
anos, acabou de falecer numa briga de javalis. Elizabeth Andrade lançou em
livro o seu relato sobre a Quarta Guerra das Nações e Jorge Valente foi eleito
prefeito da aldeia de Santana.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Todos os moradores
fixavam o vista a tal ponto que os seus olhos se tornaram pontos de reflexo da
luz branca. Exceto por um, que tinha para si outra direção. Era o jovem, que
queria ser herói. Com besouros na garganta e o coração em litígios, ele
perguntou indignado:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Então vá circular
essa porcaria de jornal entre eles!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Breno Pereira, com as
mãos nos bolsos, suspira e vira os olhos para cima. Só com o retorno da vista
para a plateia, ele sorri e diz:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">- Mas como não...?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<br />
<br />
<br />Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-9616743361902423632012-05-29T12:30:00.000-07:002012-05-29T12:30:29.174-07:00Resenha de "Talvez não tenha criança no céu"<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.bahianoticias.com.br/fotos/entretenimento_noticias/11746/IMAGEM_NOTICIA_4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="http://www.bahianoticias.com.br/fotos/entretenimento_noticias/11746/IMAGEM_NOTICIA_4.jpg" width="128" /></a><a href="http://www.bahianoticias.com.br/fotos/entretenimento_noticias/11746/IMAGEM_NOTICIA_4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="http://www.bahianoticias.com.br/fotos/entretenimento_noticias/11746/IMAGEM_NOTICIA_4.jpg" width="128" /></a> <a href="http://www.bahianoticias.com.br/fotos/entretenimento_noticias/11746/IMAGEM_NOTICIA_4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="http://www.bahianoticias.com.br/fotos/entretenimento_noticias/11746/IMAGEM_NOTICIA_4.jpg" width="128" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Davi Boaventura lançou na semana passada,
pelo selo Virgiliae da Livros de Safra, a sua novela de estreia chamada <i>Talvez não tenha criança no céu</i>. Em um
trecho do livro, ele faz Tio Pedro, típico chato de almoço de domingo,
discursar que “as filas são as grandes culpadas pelo atraso do Brasil”. Curioso
que a festa na Livraria Cultura reuniu mais de duzentas pessoas, em uma
extensão para mais de uma hora e meia de espera até o autógrafo. Não havia
atraso nenhum, porém: o rito para receber um autor, qual um menino em seu
nascedouro de enxoval, é a insistência da vontade por uma nova alegria. Já daí
justificariam todos os abraços que lhe foram destinados e voltaríamos com a
lembrança da festa, com um misto de gratidão e cumplicidade. Mas o livro ainda
estava na sacola para indicar que o <i>insight</i>
e o símbolo não são o bastante e é preciso seguir até à realidade e torná-la;
no caso, ler. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Confesso que tive receios. Já conheço
Davi há “muito e pouco tempo”, como ele sinaliza na dedicatória à caneta. Eu o
escutei falar sobre os entornos do enredo, as suas vivências, a época decisiva
em que o escreveu; cheguei a declamar o início do primeiro capítulo duas vezes
para lhe divulgar o lançamento. Quando enfim tive um exemplar nas mãos, porém,
não me deixei de imediato. O mesmo impasse que fez Djavan nunca mais pedir
arranjos aos amigos, para não ter de se indispor com ninguém no gesto de
recusa. É o nosso generalizado medo de ser sincero, de dizer “não”, e a
dificuldade tremida em escutar a contrariedade, pois personalizamos demais uma obra.
Quanto ao Boaventura, nativo de Vilas do Atlântico e jornalista por formação, não
precisei cuidar das palavras: eis um livro de verdade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Ele havia me brincado na semana passada
que uma leitora se aproveitava da amizade e lhe mandava mensagens ao longo da
trama com algumas perguntas de esclarecimento. Eu, que ri junto, não me detive
ao terminar a página 126 e, por contradição, enviei de imediato o meu suspiro. O
personagem principal se infiltrara em mim, eu já o conhecia muito antes de
conhecer Davi, e ele pôde aparecer sem mediações, sem busca de referências.
Flaubert disse que um autor deve ser como Deus, para ao mesmo tempo estar em
todas as coisas e não se mostrar em nenhuma delas. Ao descrever um garoto de
ensino médio que passa os três últimos dias de suas férias entre bebidas,
conflitos familiares e questões sobre o que se há de vir, em repleta atmosfera
de solidão, seria fácil cair numa espécie de diário pessoal, pois é bem provável
que o meu amigo tenha vivido a maior parte das situações apresentadas. Estranhamente,
ele consegue se desvencilhar e o personagem, mesmo que uma representação dele
próprio, ganha a própria substância e se torna outro enquanto criação, outro
que eu nunca conhecerei mesmo que converse com Davi Boaventura pelo resto dos
tempos. Apontam o recurso da autobiografia como o defeito dos jovens
escritores: em <i>Talvez não tenha criança
no céu</i> existe uma autobiografia, mas não é pessoal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Outros
liames acenam, com a vantagem de não tornarem a novela nem uma coisa nem outra.
É descritivo, coletor de tipos e impressões, simples, apontador sem análises
maiores; no entanto não abandona a ambiguidade e o arquétipo, que tornam um
gesto maior do que ele próprio. O que o narrador-personagem emenda na ceia de
família e a forma como enfrenta Cássio, o riquinho opressor, não são a exatidão
dos feitos, não são a precisão milimétrica de um fato, trata-se de um modo de
expressar travessias, que o chinês da década de 40 ou o francês de 1850
realizaram, em outras circunstâncias, com outros objetivos, mas humanamente
realizaram. Também segue por aí o outro liame: mesmo no vazio, na ausência real
de perspectivas, e na descrença até de que precise existir uma presença real de
perspectivas, o nosso narrador-personagem não termina por cair no niilismo, nem
no romantismo de crer que há um eu destacado do mundo, tampouco se move na
conversão para a positividade ou para o ato heroico. Ao se tornar <i>homem</i> em todo este ritual de passagem
que vive entre a adolescência e a maioridade, o personagem desdobra-se e se faz mais, se doa mais... torna-se <i>humano</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-15692663929264336982012-05-25T09:21:00.000-07:002012-05-25T13:59:51.654-07:00Assombros<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><a href="http://2.bp.blogspot.com/-Ncz0DrLDqPM/TvOsSvHp7hI/AAAAAAAABXM/QjTVuGjI19o/s1600/lispector.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="180" src="http://2.bp.blogspot.com/-Ncz0DrLDqPM/TvOsSvHp7hI/AAAAAAAABXM/QjTVuGjI19o/s200/lispector.JPG" width="200" /></a> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUpkmfYOsSHqQZrRXs3luoc7AWXE2JfojCoc09P9IYz5_BaBA4pSUppfNAI2FWO0RwAKqe1rcPT7pU5A1MsYtkNmxd_vKctnroVpKuIToRsZBP0yFxPyl0gS0LsG5M_AJweWZMfIRJLOrw/s1600/rilker.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUpkmfYOsSHqQZrRXs3luoc7AWXE2JfojCoc09P9IYz5_BaBA4pSUppfNAI2FWO0RwAKqe1rcPT7pU5A1MsYtkNmxd_vKctnroVpKuIToRsZBP0yFxPyl0gS0LsG5M_AJweWZMfIRJLOrw/s200/rilker.jpg" width="106" /></a> <a href="http://ecx.images-amazon.com/images/I/51RY2Zh5WzL._SL500_AA300_.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="200" src="http://ecx.images-amazon.com/images/I/51RY2Zh5WzL._SL500_AA300_.jpg" width="200" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="line-height: 18px;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Quando
tinha quinze anos, assisti à última entrevista de Clarice Lispector, feita pela
TV Cultura em 1976. Ela está sentada em uma poltrona marrom, com roupas
folgadas e um cigarro que parece nunca terminar. O fundo, terrivelmente cinza,
liso, somado à voz de um entrevistador que não aparece, apenas anuncia, agrava
a sensação de ser toda a cena um julgamento extraterreno.</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Como contavam nos tempos que eu seguia a
minha avó até a igreja, é o instante de confessar e convencer o mérito de um
lugar seu na vida de além-mar. Ao contrário dos deuses egípcios que apenas
punham a sua alma em uma balança e viam se ela pesava mais que uma pena de
pássaro, seria preciso exprimir-se, usar as palavras que tanto salvam quanto
arruínam... “Se você não pudesse mais escrever, você morreria?”, pergunta a voz
à Clarice. “Quando eu não escrevo, eu tô morta”, diz ela sem o cuidado de
hesitar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Antes de ler o livrinho em que Rilke faz
esta questão a um jovem poeta que lhe pede conselhos, eu pensava ser apenas “o
drama de Clarice”, o mistério que ela teria de conviver. Ao vê-la grafada e
dirigida não só a um homem, mas a todo que se reconhecesse no destino daquele homem,
vi que eu estava impingido, implicado e não poderia avançar mais sem uma
resposta. Por isso fiquei parado naquele mesmo ponto e já não me era mais
permitido transitar com a devida autorização. Pedi arrego, fiz remendo na
má-fé, fingi que a responsabilidade, embora de chegada casual (eu poderia ter
lido outro livro naquela semana), torna-se necessária, determinante no instante
em que se revela. E não adiantava, era a condição para que eu não mais andasse
apenas pelas laterais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Eu sabia que a resposta era “não”. Se
não me fosse mais permitido escrever, eu me azedaria um pouco, teria de refazer
o que me constitui, torceria uma pulsão na metade, mas daria um jeito, claro,
sempre se dá. Vivi um tempo sem perceber que esta era a justa resposta para
dizer que “sim, morreria”. Morrer com a fuça na terra é para os bichos, e é
simples, imperceptível. Para nós se agrava: morre-se quando se abandona a si
mesmo. “Se você não pudesse mais escrever, você precisaria ser outro?”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> *<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Um segundo assombro veio hoje de manhã,
quando estudava um texto sobre a escrita na mística cristã. O autor, Leonardo
Boff, perguntava-se como seria possível que, após uma experiência de unidade com
o próprio ser divino, sem mediações ou símbolos, em que pelo contrário, é
transcendida qualquer necessidade de mediação e símbolo, alguém se ponha depois
a escrever? Por que depois de suprimir a linguagem e ser arrebatado em uma esfera
tão alta um homem possa querer ainda a palavra? Muitos místicos pararam de se
expressar e tão-somente participavam de assuntos cotidianos, resguardando o
mistério dentro do mistério. Como falou Johann Tauler (1300-1361), “Tudo o que
se pode dizer disto não é essencialmente verdade, antes se assemelha à mentira”.
Outros, no entanto, insistiam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Ângela de Foligno (1248 – 1309) escreveu
<i>O livro das instruções e das visões</i>. Após
descrições poéticas com multidões de anjos e infinidades, ela exclama: “Minhas
palavras me fazem horror, ó suprema obscuridade, minhas palavras são maldição,
são blasfêmias. Silêncio, silêncio, silêncio!”. E ela não consegue, ela
persiste, ela transforma seus estados de graça em sombras, em toadas, em balões
no vento para quem quiser apanhar o fio, em pequenos barcos no córrego para as
crianças correndo, em estrelas para a moça na varanda contar, em páginas onde
um rapaz numa sexta-feira nublada assenta-se. “Eu blasfemo!”, repete ela mais algumas
vezes, e nós a perdoamos, porque não está dito, mas já compreendido: “Eu
blasfemo por vocês”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Santo Agostinho, que se revela a Deus
perante todos os outros mortais com as suas <i>Confissões</i>,
pergunta-se por que dizer e narrar alguma coisa para Deus se ele já sabe todas
as coisas? Não é, portanto, para fazer conhecer nada que um homem se expressa,
tampouco para pedir o que Deus não se declinaria a doar ou a negar, pois Deus
não muda por mediações. Só há um sentido, aquele que Ângela de Foligno seguia
amedrontada: “Narro estas coisas”, diz Agostinho, “pelo desejo de Vos amar”. Tantas
e tantas palavras são a extrapolação do peito doido e prenhe do desejo de amar...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> O
que seria o escritor senão aquele que, como um santo, já o disse Fernando
Sabino, tenta amar a humanidade inteira? <o:p></o:p></span></div>
</div>Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-92186293888081972682012-05-22T11:09:00.003-07:002012-05-22T11:16:56.312-07:00Cartas entre Sabino e Mário de Andrade<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 11px; line-height: 16px; text-align: left;"><br /></span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 11px; line-height: 16px; text-align: left;"><br /></span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 11px; line-height: 16px; text-align: left;"><br /></span><br />
<a href="http://www.imaginariopoetico.com.br/wp-content/uploads/2010/01/fernando-sabino-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="200" src="http://www.imaginariopoetico.com.br/wp-content/uploads/2010/01/fernando-sabino-1.jpg" width="133" /></a> <a href="http://www.imaginariopoetico.com.br/wp-content/uploads/2010/01/fernando-sabino-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="200" src="http://www.imaginariopoetico.com.br/wp-content/uploads/2010/01/fernando-sabino-1.jpg" width="133" /></a> <a href="http://www.imaginariopoetico.com.br/wp-content/uploads/2010/01/fernando-sabino-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="200" src="http://www.imaginariopoetico.com.br/wp-content/uploads/2010/01/fernando-sabino-1.jpg" width="133" /></a><br />
<br />
<br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;"><i>Fernando Sabino escreve para Mário Andrade, no penúltimo dia do ano de 1942, quando ainda nem tinha vinte anos e já tinha um livro publicado, era noivo e um emprego promissor lhe esperava:</i></span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;"><br /></span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">“O Abgar Renault esteve aqui e fez uma conferência sobre Tagore. Gostei muito dele pessoalmente e o admiro muito. Você se dá com ele? É pena um sujeito como ele, podendo ser um grande artista e se perdendo assim, não é? É o mal de todos os mineiros, mal de que pretendo de qualquer maneira fugir: se perder em outras atividades, se deixar vencer pela vida social, política, burguesa. Ser muito passivo, não ter coragem suficiente para passar o pé em tudo. Todos aqui são assim. Cyro dos Anjos, por exemplo, confessa que procura esconder o mais possível a sua condição de escritor, quer passar apenas por um bom burguês, para evitar amolações. O diabo é que o sujeito acaba ficando burguês mesmo... Guilhermino, Alphonsus, esses da velha guarda vão todos ficando assim, camaradas que podiam ter feito grandes coisas. Essa terra aqui é desgraçada, Mário. Ou o sujeito foge daqui (...), ou se perde mesmo. É o caminho de todos nós se aqui ficamos: casar, ter filhos, criar galinhas, um bom emprego, condição social – e literatura mesmo... horas vagas! É o cúmulo. E lá vou eu, Mário, lá vou eu. Nem queira saber que drama tem sido isso para mim. Estarei indo pelo mesmo caminho? Será que conseguirei reagir a tempo, ou me aguentar a-pesar de tudo? Estarei sujeito a ser artista nas horas vagas, por diletantismo? Isso para mim será pior do que a morte. Mas então é preciso mesmo mandar tudo à merda e tocar pra frente, romper com tudo e todos, abandonar tudo e todos, fugir daqui para poder se aguentar? Sinto perfeitamente que se continuar com o corpo mole acabarei pior do que eles, Mário. E isso não pode, não pode acontecer de maneira nenhuma. Coragem eu tenho, se for necessário. Mas </span><em style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">é </em><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">necessário? E até que ponto é preciso reagir? Será preciso sacrificar tudo? Tenho atravessado uma crise tremenda, nem queira saber. Cheguei a um ponto em que sinto que é preciso tomar alguma decisão, quanto antes! Porque se eu caso para depois resolver a questão (e a questão é quase toda essa, como você deve compreender), depois é que não resolvo mesmo. Porque isso de sacrificar amor, facilidade, tudo enfim, eu topo mesmo, estou disposto. Mas sacrificar os outros... Nada pior para um indivíduo do que o dia em que percebe que não há compreensão possível, que isso é quimera, e que ele será sempre como uma região amaldiçoada onde ninguém consegue penetrar (...)”</span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;"><br /></span><br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;"><i>Mário Andrade respondeu com a sagacidade que, em nosso imaginário oculto, pensamos só encontrar em um mestre chinês ou em um filósofo europeu, não numa tropicalidade quase exótica: </i></span><br />
<div style="text-align: left;">
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif;"><span style="line-height: 16px;"><br /></span></span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">
“Em 1843 os Álvares-de-Azevedo do tempo escreviam essas mesmas frases. E você sabe como elas saíram vívidas, verdadeiras de dentro de você. É você. Mas eu sei como elas saíram igualmente vívidas e sofridas dos Álvares-de-Azevedo maiores e menores de todos os tempos. Mas você me interromperá com todíssima razão: ‘Mas eu não tenho nada com Álvares de Azevedo e si coincido com ele, ele que se fornique! É o meu sofrimento, é o meu caso que eu tenho que resolver’. E você tem razão, Fernando. O que eu quis foi apenas dar mais humanidade ao seu egoísmo. Digo mesmo: dar mais egoísmo, dar mais profundidade ao seu sofrimento e ao seu egoísmo. Porque você ainda não é o “egoísta” no sentido em que Milton, Goethe, Dante, Camões o foram, no sentido em que o artista, o homem tem de ser egoísta. Pra se realizar. Você pensa ‘nos outros’, hesita em ‘sacrificar os outros’, e esta aparência de humanidade é que me parece deshumana. Mesquinhamente humana. Apoucadamente humana, como si a sua humanidade (...) se resumisse às quatro ou cinco pessoas que você toca com a mão!</div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">
Eu não sei, Fernando, eu não estou aconselhando nada, V. tem de resolver sozinho. Mas haverá mesmo o que resolver? Tudo não estará indo certo? E neste caso o seu sofrimento e as suas dúvidas não derivam nem das circunstâncias da sua vida, nem da sua mocidade ávida do sofrer, mas das próprias realidades tão confusas da vida atual do homem. Não será talvez preferível e mais profundamente egoísta você não sacrificar nada, nem facilidades, nem amor, nem gozo, nem inimigos, nem incompreensões, mas viver tudo isso junto, em tudo procurando apurar o que é você e buscando se superar em você? Praque imaginar si do outro lado do túnel faz dia ou faz noite? Só tem um jeito de saber: é ir até lá. O perigo não é encontrar noite lá, mas encontrar a noite e imaginar que é o dia. Talvez o milhor segredo da dignidade de ser homem é ter a força de dizer: ‘perdi’. Porque, Fernando, nós perdemos. Nós perdemos sempre... O indivíduo humano será sempre essa ‘região amaldiçoada’ em que não é exatamente que ninguém consiga penetrar, mas em que toda exploração é imperfeita, incompleta. E por isso deformadora. Até para o indivíduo mesmo. É o signo da maldição.”<br />
<span style="font-size: x-small;"><br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/on66qzbsnBM?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<span style="font-size: x-small;"> Décadas mais tarde, repercute Mário em novas palavras</span><br />
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; line-height: 16px; text-align: left;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 11px; line-height: 16px; text-align: left;">
(Fonte: <i>Cartas a um jovem escritor e suas respostas</i>, correspondências entre Fernando Sabino e Mário de Andrade, Editora Record)<br />
<br /></div>Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-87796810179857363652012-03-19T15:58:00.003-07:002012-03-19T15:58:56.259-07:00Numerista<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://vidraguas.com.br/wordpress/wp-content/uploads/numeros-sup-alma.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://vidraguas.com.br/wordpress/wp-content/uploads/numeros-sup-alma.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Na festa de aniversário
da minha amiga, as duas crianças é que mais chamavam a atenção. Rodeadas por
adultos que se acumulavam nos sofás da sala, elas respondiam todas as velhas
questões. Eu soltei a mais tola:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
O que vocês vão fazer quando crescerem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> A
menina, de sete anos, colocou as mãos nas costas e girou um pouco o vestido:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Letras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Rimos
admirados e comentamos entre nós a mudança dos tempos. Afinal em nossa época,
que nem faz tanto tempo assim, nem pensávamos na faculdade, apenas nas
profissões, e das mais conhecidas. “Professora” e “médica” eram as minhas
favoritas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Notei
o ciúme do mais novo, de cinco anos, e me voltei a ele:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
E você, menino bonito? Vai fazer o quê?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> Ele
estufou o peito e disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"> -
Números.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-51063318458457067452012-03-09T07:20:00.000-08:002012-03-09T18:53:10.051-08:00Benjamin<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">O
cancelamento da TV por assinatura<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Um
caderno novo para aprender inglês<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Perguntam
onde fica a rua que não sei<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Lubrificar
as narinas em todas as manhãs<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">E
não se esquecer do protetor na hora H<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Uma
nova torneira para a pia do fundo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Levar
o cachorro de novo para passear<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ler
um livro em nome do estado da arte<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Pagar
uma boa fração ao estado à parte<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A
frase que seria melhor não dita ali, aqui<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ou
nas reuniões mensais de pais e mestres</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">O
ponto que o ônibus não passa, o troco<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Esqueci
o guarda-chuva em outra cidade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">As
oportunidades são como fios no careca<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">O
pisca do carro antes de virar à esquerda<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A
validade da maionese, o nome do cantor<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A
chave dormiu fora, cravada na fechadura<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Nessa
rua tem um ladrão atrás da escadinha<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Uma
cédula em cada bolso, o cinto desfeito<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A
toalha deixada lá fora na hora do banho<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Perdi
o carregador do celular e o tempo-rei<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Números
de contas e frascos na noite de bar<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Fatura
de cartão, fome dos outros, o outro <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Pegadas
mansas no tapete do novo emprego<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Presente
de natal para quem quer que vá<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Literatura
baiana, brasileira e de estrangeira<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Dodecassílabos,
sintaxe, condição humana<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Os
pressupostos <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">de um sujeito <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">que
quer lhe pegar<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Vixi!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">É
muita coisa O<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Pra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Agora
se ligar O<o:p></o:p></span></div>Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2086600659756202941.post-65928482511877653242012-03-05T10:12:00.003-08:002012-03-05T10:12:52.716-08:00<br />
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEKZSHAJJNgLszAAFYl-a4xP-ify5MytwW4l5KD34yi2yuTZywCZerRN3_jH2PhrZwBMur0QENgNaJ_Xa5qYT9B0ZvylzUqe_HkSKCZuzAEB_hA6n5MRnENUlbSjz9esZlmZUSxDtRzro_/s1600/Frida-Kahlo1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="274" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEKZSHAJJNgLszAAFYl-a4xP-ify5MytwW4l5KD34yi2yuTZywCZerRN3_jH2PhrZwBMur0QENgNaJ_Xa5qYT9B0ZvylzUqe_HkSKCZuzAEB_hA6n5MRnENUlbSjz9esZlmZUSxDtRzro_/s320/Frida-Kahlo1.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i style="background-color: white; font-family: Arial; font-size: small;"><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i style="background-color: white; font-family: Arial; font-size: small;"><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;">“<i>Quanto você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. </i></span><i style="font-family: Verdana; font-size: small;">Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. </i><i style="font-family: Verdana; font-size: small;">Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!"</i></div>
<br class="Apple-interchange-newline" /><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: Arial; font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i style="background-color: white; font-family: Arial; font-size: small;"><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i style="background-color: white; font-family: Arial; font-size: small;">(Carta de Hélio Pellegrino a seu velho amigo e também mineiro Fernando Sabino)</i></div>Saulo Douradohttp://www.blogger.com/profile/17485181134789639832noreply@blogger.com0