O mundo melhor significa, para a vida, um mundo sem nenhuma
falta, um mundo plenamente satisfeito. Significa o mundo que, ao construir e
encontrar seu modo de viver e preencher seus vazios, preserva a falta e o vazio
necessários para que o mundo prossiga o seu curso. Se o “melhor” para a vida é
encontrar modos que preservem a sua força e vitalidade e sendo a “falta” o que
alimenta essa força, o horizonte de futuro é apreendido, em princípio, como
lugar de uma falta, como lugar vazio. Por definição, o futuro implicado num
mundo melhor, ou seja, num mundo que preserva e potencia a sua vitalidade, não
se refere a um tempo que vem depois, a uma ideia de progresso e nem à espera
que adia a vida em favor de uma forma calculada de vida, mas à possibilidade de
se preservar o vazio mobilizador das criações. Isso significa que o futuro
assim entendido está de tal forma ligado ao passado que se pode até mesmo
defini-lo como um futuro do pretérito. Trata-se do mundo que se enuncia como o
que poderia ser dentro desse mundo em que nos encontramos, dentro das condições
que sempre já trazemos enquanto seres históricos. O mundo melhor seria,
portanto, o mundo que preserva viva a condição de uma construção histórica e
não simplesmente o mundo que preserva as formas já concebidas historicamente.
Trata-se do mundo que “imita” a vida e não os produtos ou resultados de um
embate prévio com a vida. Trata-se do mundo que expõe o que poderia ser e não
simplesmente arquiva o que foi. O tempo futuro de um mundo melhor define-se
como o tempo que acolhe o passado no sentido de sua própria possibilidade,
tornando-o vivo e presente. É mais do que um tempo. É um modo de preservar e
aprimorar a vida.
(SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante. Para ler os medievais - ensaio de hermenêutica imaginativa. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000. pp. 29-30)
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