domingo, 17 de março de 2013

Freyre sobre o sertanejo


Tanto o excesso de mimo de mulher na criação dos meninos e até dos mulatinhos, como o extremo oposto – a liberdade para os meninos brancos cedo vadiarem com os moleques safados na bagaceira, deflorarem negrinhas, emprenharem escravas, abusarem de animais – constituíram vícios de educação, talvez inseparáveis do regime de economia escravocrata, dentro do qual se formou o Brasil. Vícios de educação que explicam melhor do que o clima, e incomparavelmente melhor que os duvidosos efeitos da miscigenação sobre o sistema do mestiço, a precoce iniciação do menino brasileiro na vida erótica. Não negamos de toda a ação do clima: também na zona sertaneja do Brasil – zona livre da influência direta da escravidão, da negra, da mulata – o menino é um antecipado sexual. Cedo se entrega ao abuso dos animais. A melancia e o mandacaru fazem parte da etnografia do vício sexual sertanejo. A virgindade que ele conserva é a de mulher. E nisto tem consistido sua superioridade tremenda sobre o menino de engenho.

Certas tendências do caráter do sertanejo puxando para o ascetismo; alguma coisa de desconfiado nos seus modos e atitude; o ar de seminarista que guarda a vida inteira; sua extraordinária resistência física; seu corpo anguloso de Dom Quixote, em contraste com as formas mais arredondas e macias dos brejeiros e dos indivíduos do litoral; sua quase pureza de sangue – são traços que se ligam da maneira mais íntima ao fato do sertanejo em geral, e particularmente nas zonas mais isoladas das capitais e das feiras de gado, só conhecer mulher tarde; e quase sempre pelo casamento. Gustavo Barroso, em estudo sobre as populações sertanejas no Nordeste, diz serem comuns, no sertão, rapazes de mais de vinte anos ainda virgens. O que, no brejo e no litoral, seria motivo para debiques e troças ferozes. Sente-se aí o resultado da influência direta da escravidão sobre estas duas zonas; e apenas indireta e remota sobre o sertão.

(Gilberto Freyre, Casa-Grande & Senzala,  Global Editora, 51ª edição, p. 459-460)

[ver Gustavo Barroso, Terra de Sol, Rio de Janeiro, 1913]

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