"Há homens, dizia meu mestre, que vão da poética à filosofia; outros que vão da filosofia à poética. O inevitável é ir de um ao outro, nisto como em tudo". Juan de Mairena, heterônimo do poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939).
"No poeta desponta o filósofo e no filósofo remanesce o poeta. Coleridge não sabe como pegar o poeta filósofo ou o filósofo poeta. Assim, para ele, Sheakespeare é o poeta filosófico, e Platão é o filósofo poético. Então concebe-se que a poesia se deleita com as contradições do pensamento filosófico, e que o poeta se deleita com as contradições que afligem o filósofo puro. Numa carta Keats escreve a frase sintomática, What shocks the virtuous philosopher, delights the camaleon poet. Considerem esta expressão, camaleon poet, de Keats: o poeta, como o camaleão, muda de cor. Keats não estaria se referindo apenas ao híbrido poeta-filósofo, mas à versatilidade da própria poesia como pensamento. O poeta-filósofo, esse híbrido, havia de merecer a ironia bem moderna de Valéry, em um dos seus pensamentos de Tel Quel: "Confusão. Poetas-filósofos (...) É confundir um pintor de marinhas com um capitão-de-fragata". É interessante observar a imagem um tanto platônica, usada por Valéry, do "capitão de navio": ele dirige o barco assim como a razão dirige o pensamento. Mas Valéry admitiria o "poeta camaleão". Já não se pode falar de um "camaleão-filósofo"... O filósofo será sempre um ortônimo e jamais um heterônimo, como Antonio Machado e Fernando Pessoa".
In "Filosofia e Poesia", do livro "Hermenêutica e Poesia - o pensamento poético", de Benedito Nunes, organizado por Maria José Campos, UFMG.
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