sexta-feira, 30 de julho de 2010

Descida

Ela acariciou a capa do livreto de poemas, olhando direto para mim, como se fosse óbvio que, na verdade, era a mim que ela tocava. Passou as pontas dos dedos em meu nome pintado, no título, nas bordas de todas as páginas juntas, antes de enfim abri-lo. Tirou o meu rosto de foco e se voltou para os versos que começavam.
Ao acabar o primeiro poema, ela puxou um brinco. No segundo, o outro. No terceiro, nada. Sem murmurar um som em nenhum desses momentos, foi me deixando afundar contra a poltrona, pressionar os braços de algodão, compreender que a cada conjunto de versos e estrofes ao seu gosto, uma peça do seu vestuário caía. Pulseiras, saltos, colares. Então a blusa, a saia longa. Eu a me perguntar o que não funcionava nos poemas que não a demoviam, ao invés de tentar saber que senha mágica continha nos poemas que a desnudavam.
Ela conservava uma última peça, uma calcinha fina, quando no livreto restava um último poema.
- Se eu não gostar desse, visto tudo de volta – falou ela, me encarando -. Mas se você me impedir de lê-lo, pode me ter assim como eu estou. O que prefere?
Rompi um gesto autorizando que ela seguisse, o que fez de imediato. Desceu a vista pela folha única e, inédito, subiu outra vez. Também desceu outra vez, com a ponta da unha triscando o queixo, as sobrancelhas se apertando. Atrasou em segundos a respiração. Perdeu a passividade.
- Me deu uma sensação estranha esse. Eu preciso mastigá-lo. Saber o que ele é em mim. Você espera?
Concordei com a cabeça enquanto ela se sentava ao meu lado. Ali ficou, entre mirar o teto e descer ao poema, que periodicamente lhe imperava uma renovada atenção. Nisso foram passando as horas, a iluminação se alterando, o barulho das ruas em gradativa calmaria, e eu fechando os olhos até adormecê-los, e com eles, todo o meu corpo.
Acordei com lágrimas bem próximas da boca. Não eram minhas. Pertenciam a ela, que roçava em mim a face. Senti pela sua pulsação e pelo seu suor quão sentido havia feito a poesia que um dia eu capturei. E por um só instante, me veio um contentamento duplo e não duvidei de nada no mundo.
- Eu queria ser muito mais nua pra você – disse ela, descendo a minha mão pelo seu corpo.

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