terça-feira, 14 de agosto de 2012

Botânico






Quando for à feira, nunca aceite as sementes de uma mulher que tem flores costuradas no vestido. Ela vai querer segurar seu punho e colocar cinco sementes no seu bolso. Recuse-as, jogue-as no chão e as pise, se puder. Mas não cogite levá-las para casa, mesmo que a mulher insista e você queira livrar-se logo dela, não vendo mal nenhum em aceitar a sua oferta como quem pega um panfleto na rua. Caso você aceite as sementes, não as plante em seu quintal. Mesmo que já estejam ali no seu bolso e a terra tenha ficado melhor depois do inverno, pronta para florescer o que lhe viesse, e você acredite que lugar de semente é na terra e não no lixo. Mas não, desfaça-se delas. E se você quase em um movimento involuntário abriu um buraco na terra com a ponta do sapato, colocou as sementes e tapou em seguida com a sola, deixe como estar e não regue. De jeito nenhum. Passe com a água em todos os cantos, menos neste exato pedaço. Mas se ainda você regar, por um amor irrefletido sobre todas as formas de vida, por ter visto muito sobre ecologia na TV, anule-se e simplesmente arranque as primeiras folhas que aparecerem. E se você não arrancar e deixar simplesmente as sementes brotarem, acompanhar o crescimento da planta que toma cada vez mais um formato estranho, não apareça mais por seu quintal. Pois já terá nascido a metade de um duende, só com o tronco, os braços e a cabeça que nunca para de ri, na altura de uma mão aberta. Ele bate os dentes uns nos outros o tempo todo para exercitar, move as articulações com um som que assustaria qualquer coração e arremessa punhados de terra em cima das formigas quando se entedia. O duende fica apenas à espera da hora em que você virá cuidar dele. E se você for, meu caro, assobiando uma melodia antiga com a mangueira de borracha na mão, como se a vida não tivesse outra serventia, apenas cubra o tornozelo. 

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