Quando
for à feira, nunca aceite as sementes de uma mulher que tem flores costuradas
no vestido. Ela vai querer segurar seu punho e colocar cinco sementes no seu
bolso. Recuse-as, jogue-as no chão e as pise, se puder. Mas não cogite levá-las
para casa, mesmo que a mulher insista e você queira livrar-se logo dela, não
vendo mal nenhum em aceitar a sua oferta como quem pega um panfleto na rua. Caso
você aceite as sementes, não as plante em seu quintal. Mesmo que já estejam ali
no seu bolso e a terra tenha ficado melhor depois do inverno, pronta para
florescer o que lhe viesse, e você acredite que lugar de semente é na terra e
não no lixo. Mas não, desfaça-se delas. E se você quase em um movimento
involuntário abriu um buraco na terra com a ponta do sapato, colocou as
sementes e tapou em seguida com a sola, deixe como estar e não regue. De jeito
nenhum. Passe com a água em todos os cantos, menos neste exato pedaço. Mas se
ainda você regar, por um amor irrefletido sobre todas as formas de vida, por
ter visto muito sobre ecologia na TV, anule-se e simplesmente arranque as
primeiras folhas que aparecerem. E se você não arrancar e deixar simplesmente
as sementes brotarem, acompanhar o crescimento da planta que toma cada vez mais
um formato estranho, não apareça mais por seu quintal. Pois já terá nascido a
metade de um duende, só com o tronco, os braços e a cabeça que nunca para de
ri, na altura de uma mão aberta. Ele bate os dentes uns nos outros o tempo todo
para exercitar, move as articulações com um som que assustaria qualquer coração
e arremessa punhados de terra em cima das formigas quando se entedia. O duende
fica apenas à espera da hora em que você virá cuidar dele. E se você for, meu
caro, assobiando uma melodia antiga com a mangueira de borracha na mão, como se
a vida não tivesse outra serventia, apenas cubra o tornozelo.
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